ZERO HORA 07 de novembro de 2012 | N° 17246
CARLOS ETCHICHURY
Matança de civis e assassinatos de policiais militares expõem uma guerra particular travada entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a temida Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), a tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo. A espiral de violência reverteu uma década de redução de homicídios na maior cidade do país. Em outubro, São Paulo registrou 145 assassinatos – um acréscimo de 86% em relação ao mesmo mês do ano passado, que teve 78 ocorrências. É o segundo mês seguido em que a capital paulista bate recorde de homicídios desde que a contabilidade mensal começou a ser feita pelos órgãos oficiais, em janeiro de 2011. O recorde já havia sido quebrado em setembro, com 135 homicídios – número 96% maior do que no mesmo mês do ano anterior.
Especialistas ouvidos por Zero Hora têm interpretações distintas para o fenômeno. Doutor em Ciência Política e ex-secretário de Segurança de Guarulhos, Guaracy Mingardi credita a estabilidade experimentada nos últimos anos a um suposto acordo entre autoridades e a bandidagem.
– As mortes aumentaram após a execução de integrantes do PCC e o deslocamento de um dos líderes da facção, o Tiriça, para Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) – analisa o ex-coordenador de Análise Criminal do Ministério Público de São Paulo.
130 suspeitos de mortes de PMs foram presos
Betinho Tiriça é o apelido de Roberto Soriano, mantido na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. A polícia apreendeu uma carta, atribuída a ele, com o nome dos três PMs da Rota que teriam participado da tortura e execução de um assaltante em maio passado. A Rota deixou outros cinco mortos (suspeitos de pertencer ao PCC), em um estacionamento na zona leste da capital. Na carta, Betinho Tiriça pedia que fosse encontrado um hacker capaz de localizar os endereços das casas dos PMs envolvidos na operação.
– Nenhum integrante do PCC ia para o RDD desde 2007 – diz Mingardi.
Outro fator de tensão, sugere, era a manutenção no comando da Rota do tenente-coronel Salvador Modesto Madia – ele é um dos responsáveis pelo massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos pela PM em 1992. Após 10 meses no cargo, Madia deixou o comando em setembro.
Ex-secretário Nacional de Segurança Pública, o coronel reformado da PM de São Paulo José Vicente Silva Filho tem outra hipótese:
– A criminalidade está reagindo ao aumento da repressão ao tráfico de drogas. Nos últimos três meses, 130 suspeitos de envolvimento nas mortes de PMs foram presos.
Cenas de guerra na maior cidade do país. Mais de cem policiais já foram baleados e 90 acabaram morrendo só neste ano na capital paulista
HUMBERTO TREZZI | Enviado Especial/São Paulo
Rosto crispado, carabina na mão com o dedo no gatilho, o policial militar olha desconfiado para os lados. Não abre sorriso, não conversa, não informa. Apenas cuida – e como cuida – a entrada da 10ª Delegacia de Polícia (DP) de São Paulo, no bairro da Penha, zona leste. O policial está junto a dois carros destroçados por tiros e que servem de barricada para a DP e também para a 3ª Companhia da Polícia Militar.
Foi esse PM que socorreu, na noite de ontem, o delegado Diogo Zamutti Junior, titular da 57ª DP, no bairro Brasilândia. O policial civil estava próximo da Penha, dirigindo seu J-3 novo em folha, quando dois homens em uma moto emparelharam com o carro e dispararam vários tiros de pistola. Um dos disparos acertou a janela do motorista e acertou o delegado no ombro. Outros atingiram o colete à prova de balas. O policial revidou e conseguiu balear um dos motociclistas.
Ferido, tonto, o delegado dirigiu na contramão pela Avenida Airton Petrin, até encostar, aos gritos, em frente ao posto da PM e à 10ª DP (que funcionam em prédios contíguos).
– Tô ferido, ajuda aí – gritou o delegado, enfim socorrido pelos colegas.
Deixou cair no chão o colete, ensanguentado. Sobreviveu por sorte.
Diogo é apenas o mais recente de uma lista de mais de cem policiais paulistas baleados este ano – 90 acabaram morrendo. Eles são alvo de uma onda de ataques sem precedentes nos últimos seis anos, coordenada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa dos presídios brasileiros.
O delegado prendeu há 15 dias uma quadrilha conhecida como Chapa Quente, especializada em assaltar residências e manter os moradores como reféns. Alguns dos bandidos torturavam as vítimas. Conforme a Secretaria da Segurança Pública, a Chapa Quente pagava “pedágio” para o PCC, que cobra de qualquer quadrilha independente um suborno para garantir a segurança dos criminosos quando eles forem presos. Como qualquer paulista sabe, quem manda no sistema penitenciário do mais populoso e importante Estado brasileiro é o Partido do Crime (como os próprios bandidos chamam o PCC).
Mesmo armado e guarnecido por colegas, o delegado Diogo não está imune ao sentimento que domina grande parte dos paulistas: medo. Tanto que ele fugiu da imprensa, ao ser convidado a falar do episódio.
– Foi um atentado, como os outros que estão acontecendo por aí – resumiu, monossilábico e ostentando um grande curativo nas costas.
Atentados que se proliferam mais a cada dia, com ônibus incendiados, postos policiais metralhados e até familiares de agentes da lei executados. Tudo começou como represália do PCC à morte de 12 integrantes da facção que assaltavam um supermercado e foram fuzilados por PMs. De lá para cá, é um festival de mortes, de lado a lado.
Medo que também fez os dois primeiros taxistas abordados por Zero Hora, na noite de ontem, recusarem a corrida.
– Brasilândia? Vocês estão loucos? Vou lá, não – disse o nordestino radicado em São Paulo.
A Brasilândia, considerada reduto de parte da cúpula do PCC, estava ontem na terceira noite consecutiva de ocupação pela PM. Mais de 30 viaturas desfilavam na avenida principal da favela, em um vaivém que não tem prazo para terminar. Assim como a maré de violência que engolfa os paulistas.
Uma agência anticrime
Um encontro entre o Ministério da Justiça e o governo do Estado de São Paulo, realizado ontem, definiu a criação de uma agência para combater o crime organizado e tentar frear a onda de violência que já vitimou 90 policiais militares só neste ano. De maneira integrada, as ações de inteligência das polícias estadual e federal têm como um dos principais objetivos “asfixiar financeiramente” as facções.
A primeira reunião do grupo, onde serão detalhadas as ações a serem desenvolvidas pelos dois governos, está agendada para a próxima segunda-feira. Ontem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, apresentaram seis áreas de cooperação entre as duas esferas. A agência, que terá coordenação de representantes dos dois governos, é a principal aposta contra a criminalidade.
– Não se combate o crime organizado sem inteligência – disse o ministro.
Entre os órgãos que farão parte da agência estão a Polícia Federal (PF), a Receita Federal, as polícias militar e civil e o Ministério Público Estadual. Outra mudança anunciada inclui a possibilidade da transferência de presos para presídios federais, com foco nos detentos que pertencem a facções criminosas e autores de ataques contra policiais.
Chefe de facção criminosa irá para presídio federal
A parceria também visa a contenção do crime organizado com fiscalização reforçada nos aeroportos, portos e rodovias, o enfrentamento ao crack, a cooperação das polícias científica e pericial e a criação de um centro de comando dessas ações integradas. A possibilidade do governo federal enviar tropas para São Paulo foi descartada pelo ministro, pois o Estado já tem cerca de 130 mil policiais.
Ontem, já foi concretizada a transferência de um preso que teria ordenado a morte de policiais militares para um presídio federal. Antônio Cesário da Silva, o Piauí, será levado para uma cadeia de Porto Velho (RO). Segundo autoridades da área de segurança, a Justiça autorizou a operação, que pode acontecer a qualquer momento. Silva é considerado o chefe da facção PCC na favela Paraisópolis e é investigado por mandar matar seis policiais.
Ainda não foi divulgada quantas transferências serão feitas e quando. Por questões de segurança, os nomes e números deverão ser preservados.
Ação integrada |
- Formada por órgãos dos governos federal e estadual, a agência investirá em ações de inteligência para “asfixiar financeiramente” o crime organizado. |
- A coordenação será conjunta. Da parte federal será o superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Roberto Ciciliati Troncon. Da parte estadual, será o secretário-adjunto de Segurança Pública, Jair Manzano. |
- A agência será composta pela Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Secretaria Nacional de Segurança Pública – que comanda a Força Nacional – Depen, órgão que administra as cadeias, Receita Federal e DRCI, que cuida da repatriação de ativos. |
- Na esfera estadual, pelas secretarias de Segurança Pública e Administração Penitenciária, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Técnico-científica, Secretaria da Fazenda, Ministério Público Estadual e Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo. |
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