ZERO HORA
27/11/2012 | 05h02Nove anos de gastos
Diárias da Brigada Militar em presídios custam uma cadeia nova por ano. Pagamento do Estado aos soldados e oficiais chega a R$ 1,2 milhão por mês
Policiais atuam em força-tarefa como carcereiros no Presídio Central e na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ)Foto: Daniel Marenco / Agencia RBS
Francisco Amorim
Era para ser temporária, durar apenas seis meses, mas a presença da Brigada Militar (BM) nos presídios se estende há 17 anos. A força-tarefa que retira das ruas 595 PMs para vigiar presos custa ao Estado R$ 1,2 milhão por mês apenas em diárias pagas aos soldados e oficiais transformados em carcereiros, o suficiente para pagar o salário de 500 agentes penitenciários.
Criada no governo Antônio Britto, a Operação Canarinho tinha como objetivo frear fugas em massa em presídios gaúchos. Naquele ano, 49 detentos haviam escapado do Presídio Central. Depois de ocupar as maiores casas prisionais, a força-tarefa foi reduzida ao Presídio Central e à Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), em Charqueadas. Mesmo assim, os gastos com diárias têm subido ano a ano. Conforme o site Transparência do governo do Estado, entre 2004 e 2011 o custo da operação aumentou 150,8%, chegando aos R$ 14 milhões. O dinheiro sai da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
Para assegurar a presença dos PMs dentro das cadeias, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) permite há mais de uma década uma prática que desafia a lógica da administração pública: o recebimento de diárias por meses e até anos a fio. Alguns oficiais chegam a receber, por conta das diárias,
R$ 30 mil a mais por ano — cifra suficiente para custear a contração de um agente penitenciário. E parte desse contingente permanece na força-tarefa em Charqueadas ou Porto Alegre por mais de dois anos.
Soldados continuam lotados no Interior
Uma das possibilidades nesses casos de permanência prolongada em uma cidade seria a transferência de batalhão. Não é o que acontece. Na prática, os dados do site Transparência indicam que PMs continuam lotados no Interior mesmo ocupando cargos-chave na administração do Presídio Central nos últimos três anos. Enquanto isso, PMs da Capital são transferidos para o Complexo de Charqueadas, onde também chegam a ficar até dois anos recebendo diárias.
As diárias tornaram-se uma espécie de gratificação para aos PMs dispostos abrir e fechar celas. Os policiais permanecem ligados burocraticamente a batalhões do Interior, mas acabam se transferindo de mala e cuia para a Capital ou para Charqueadas. A prática está na mira do Ministério Público de Contas (MPC). Ao tornar permanente uma medida paliativa, os governos que sucederam Britto gastaram dezenas de milhões de reais na manutenção da operação. Só nos nove últimos anos foram empregados R$ 74 milhões, valor suficiente para erguer seis presídios para 2,4 mil detentos.
— Você deixa de contratar e formar agentes penitenciários e tira PMs das ruas — critica Luiz Fernando Rocha, vice-presidente da Associação dos Agentes Penitenciários.
Conforme o superintendente da Susepe Gelson Treiesleben, a administração dos recursos repassados aos PMs é feita pela BM. Ele ressaltou, contudo, que a ideia é retomar o controle dos presídios em 2013:
— Queremos retomar esses presídios. Para isso temos de contratar mais pessoal. E tivemos o sinal verde da Casa Civil.
A previsão é de que 1,4 mil agentes sejam contratados via concurso público no próximo ano.
Pagamentos sob análise do Ministério Público de Contas
O pagamento de diárias por longos períodos para PMs que exercem atividade fixa em presídios gaúchos está sendo analisado pelo Ministério Público de Contas (MPC).
A investigação do MPC foi provocada por uma representação encaminhada pela Associação de Oficiais da Brigada Militar, em que são relatadas supostas irregularidades na concessão de diárias.
— Há no mínimo uma questão de economicidade de se empregar PMs nessas funções a esse custo — explicou o procurador-geral do MPC, Geraldo da Caminho.
Entre os fatos a serem apurados está o de que PMs lotados em Charqueadas são empregados na força-tarefa em Porto Alegre e vice-versa, contrariando a lógica de que poderiam atuar em presídios na cidade onde estão lotados. Segundo dados do site Transparência, do governo do Estado, só neste ano, essa única movimentação de PMs custou R$ 1,3 milhão ao Estado.
Além do uso de diárias como estratégia para gratificar PMs que aceitam atuar no interior das cadeias, o MPC deve apurar o impacto que essa estratégia causa à Segurança Pública. Isso porque o número de brigadianos empregado na força-tarefa seria suficiente para policiar duas cidades de 300 mil habitantes.
A reportagem tentou contato com o secretário da Segurança Pública, Airton Michels, mas não obteve sucesso. Michels tem afirmado que pretende restituir gradualmente à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) as duas casas prisionais hoje sob controle da Brigada Militar. Soldados e oficiais voltariam para as cidades onde estão lotados.
Procurado por Zero Hora, o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Sérgio de Abreu, preferiu não se manifestar. Por sua orientação, a reportagem tentou contato com o Comando de Operações Especiais (COE), que coordenada a Força-Tarefa, também sem êxito.
Uma solução emergencial dura 17 anos
Em 1995, o governo do Estado decide designar PMs para a segurança externa e o serviço de carceragem de detentos nos maiores presídios gaúchos. O objetivo era conter a criminalidade interna, frear os constantes motins nas casas prisionais e suprir a carência no efetivo de agentes penitenciários. Foram cerca de 600 PMs recrutados das mais diversas regiões, que assumiram o controle de cinco casas: Presídio Central, Hospital Penitenciário, Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC).
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