ZERO HORA 18 de outubro de 2012 | N° 17226
Justiça absolve suspeitos de furtos de caminhões. Onze acusados de crimes em Canoas já foram inocentados por falta de provas
JOSÉ LUÍS COSTA
Alvos de uma grande operação da Polícia Civil na Região Metropolitana,
em 2009, acusados de envolvimento com furto de caminhões foram
absolvidos por falta de provas. O julgamento mais recente, realizado em
meio à polêmica decisão da Justiça de soltar dois jovens presos pelo
violento ataque a uma médica na Capital, indica que nem sempre o clamor
público é levado em conta por magistrados na hora de determinar a prisão
de suspeitos.
Por rejeitar pedidos de prisão do grupo suspeito de furtos em Canoas, o
juiz Paulo Augusto Oliveira Irion foi alvo de críticas e teve a decisão
reformada pelo Tribunal de Justiça (TJ) pouco mais de dois meses depois.
Passados três anos, duas decisões da 4ª Vara Criminal de Canoas
isentaram de culpa 11 dos 18 envolvidos. Uma em setembro do ano passado,
e a outra, em 2 de outubro de 2012, por coincidência no mesmo dia em
que a pediatra Simone Teixeira Napoleão, 49 anos, foi baleada em assalto
em frente à Redenção – caso que provocou indignação pela decisão
judicial de soltar os suspeitos (uma semana depois, a dupla foi presa
preventivamente pela polícia, com autorização da Justiça).
O episódio em Canoas ganhou destaque em maio de 2009, quando a Delegacia
de Repressão ao Roubo de Veículos pretendia deflagrar uma operação para
capturar um grupo suspeito de furtar caminhões próximo à BR-116. A
região registrava 98 furtos de caminhões em seis meses. Durante as
investigações, agentes chegaram a deixar um caminhão equipado com
rastreador como isca para atrair bandidos. O veículo acabou sendo levado
por ladrões, e parte do furto foi flagrada por Zero Hora.
A operação policial naufragou com o indeferimento dos pedidos de prisão.
Irion entendeu que furto não é crime grave e que não haveria espaço nas
cadeias para os suspeitos por causa da superlotação. A decisão revoltou
policiais e indignou uma parcela da população.
Delegado contesta alegação de inexistência de provas
Três meses depois, atendendo a recurso do MP baseado em escutas
telefônicas –, a 7ª Câmara do TJ mandou prender 14 integrantes do grupo.
O processo foi dividido e, nos dois julgamentos já realizados, a juíza
Clarissa Costa de Lima absolveu 11 dos acusados – dois deles já
morreram.
Na sentença, a magistrada afirmou que as provas na esfera policial não
se reproduziram em juízo, com “apenas indícios do inquérito, os quais
não podem, isoladamente, embasar decreto condenatório”. O delegado
Heliomar Franco, responsável pelo inquérito, entende que havia provas,
lembrando que o TJ decretou as prisões com base nelas, e que, após o
encarceramento dos suspeitos, os registros de furtos de caminhões
despencaram.
ENTREVISTA. “O Direito Penal não trabalha em cima de ideias imediatistas”
Paulo Augusto Oliveira Irion, juiz de Direito
Atual juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, o juiz Paulo Augusto Oliveira Irion, 50 anos, comentou o caso:
Zero Hora – O senhor sofreu críticas por parte de policiais, imprensa e
população por negar o pedido de prisão de suposta quadrilha. E, até
agora, quem foi julgado, foi absolvido por falta de provas. Como o
senhor se sente?
Paulo Irion – O juiz não pode se preocupar com isso, e sim, com a
decisão que ele entenda que fará mais justiça. O tempo vem demonstrar
que o Direito Penal não trabalha em cima de ideias imediatistas.
Enquanto a mídia, por vezes a sociedade, quer uma resposta imediata,
temos de trabalhar com mais vagar, pois o que está em jogo, afinal, é o
cerceamento da liberdade de um ser humano. Só podemos ter um julgamento
condenatório, com formação de culpa, quando as provas forem cabais e
irrefutáveis.
ZH – As críticas o machucaram?
Irion – Posso dizer que te deixam um pouco marcado. Mas todos nós, que
temos função pública e visibilidade, temos de saber que a crítica é
inerente ao exercício da função. O grande problema é que, por vezes, as
críticas extrapolam aquilo que se entende por razoável.
ZH – A sua decisão foi revogada depois pelo TJ. Esse fato causou algum dissabor?
Irion – Isso é regra do jogo. Profere-se uma decisão e ela é passível de
recurso. Nós respeitamos a hierarquia. As nossas decisões estão
sujeitas, dentro do devido processo legal, a eventuais revisões por
tribunais superiores.
ZH – Esse caso mostra que nem sempre o clamor público tem razão?
Irion – Com certeza. Temos situações em que aquilo que se mostra como
crime muito grave e, depois, quando se apura provas, se vê que, por
vezes, não é tão grave ou não há prova certa da autoria. No caso de
Canoas, os furtos de caminhões aconteceram, mas o processo demonstra que
não há prova suficiente para dizer que as pessoas denunciadas são as
autoras desses crimes.
ZH – O senhor justificou sua decisão de manter soltos os suspeitos pelo
fato de ser um crime sem violência as vítimas e por causa da falta de
vagas nos presídios. Passados três anos, o senhor está na Vara de
Execuções, que administra as penas, e as prisões continuam lotadas.
Irion – Estamos tentando administrar uma situação que é, efetivamente,
um caos. Um problema em todo o Brasil. O sistema prisional tem de ser
repensado.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Onde a justiça é morosa e benevolente, o
crime compensa e a impunidade sai vitoriosa. Realmente, o magistrado
tem razão em afirmar que
"o Direito Penal não trabalha em cima de ideias imediatistas", pois
a justiça, além de levar três anos para julgar este caso, não mostra
nenhuma preocupação em ser severa e voltada ao interesse público. Se já
tivesse sido aprovado a PEC que cria o juizado de garantia no Brasil,
neste hiato de três anos, o juiz de garantia poderia devolver o caso
para a polícia qualificar as provas que foram obtidas por perícias,
filmagem e inquirições. Como não há vontade política dos governantes e
judicial dos magistrados de aproximar a justiça das questões de ordem
pública para continuarem mantendo em vigor a burocracia, a morosidade
dos processos, as ligações formais, a posição mediadora da justiça e a
inexistência de um Sistema de justiça Criminal completo, os atos se
tornam inoperantes e a bandidagem sai solta e impune. Sobra para o povo a
insegurança pública e para os abnegados policiais o retrabalho.