ZERO HORA 11 de outubro de 2012 | N° 17219
MUDANÇA DE FOCO
Colarinho-branco já não é prioridade para a PF. Combate à corrupção cede espaço na agenda dos federais para ações contra o tráfico e o contrabando
ADRIANA IRION E HUMBERTO TREZZI
A cena fez parar quem passava pela praça. Em 20 de agosto, policiais federais de Belo Horizonte colocaram mordaças e acenderam velas numa manifestação em frente à Assembleia Legislativa mineira. O presidente do Sindicato dos Policiais Federais em Minas Gerais (Sinpef), Renato Deslandes, não hesitou ao justificar o ato cênico: denunciar a retaliação que os policiais estariam sofrendo em decorrência de operações de combate à corrupção realizadas pela prestigiada Polícia Federal.
Os agentes estão mesmo sendo perseguidos por prenderem políticos? É o que dizem alguns grevistas, mas não há indícios concretos que corroborem isso. O perceptível para grande parte da sociedade é que a Polícia Federal mudou seu foco. Ao contrário de tempos recentes, quando o combate feito pelos federais aos crimes de colarinho-branco ganhava as manchetes, a maior parte das ações da PF (inclusive no Rio Grande do Sul) prioriza outros tipos de delito. Corrupção deixou de ser prioridade, e a imensa maioria das operações é voltada para a repressão ao tráfico e ao contrabando.
ZH fez um levantamento das 151 operações realizadas pela PF no Estado desde 2008 – uma média de 30 por ano. Apenas 10% delas visaram crimes do colarinho-branco e corrupção. O grande destaque foi para reprimir os chamados crimes de fronteira. Mais da metade das operações (79) envolveu tráfico (de drogas, armas ou pessoas) ou contrabando. Em 2007, o então ministro da Justiça Tarso Genro fez um balanço e mostrou que 20% de todas as 188 operações nacionais da PF naquele ano tinham se voltado contra a corrupção. Ou seja, de um ano para outro a polícia mudou de rumo.
Dois experientes procuradores federais ouvidos por ZH, Douglas Fischer e Alexandre Schneider, dizem ser “inequívoco” que as ações contra corrupção representam um percentual muito baixo das operações da PF. Mas ressaltam que a razão pode ser cultural. Schneider, que integra o Grupo de Controle Externo da PF (com missão de analisar a performance dos inquéritos), considera que um dos motivos para a corrupção deixar de ser prioridade é que investigar colarinho-branco vai muito além de prender, como é com o tráfico.
– Tem de ouvir, rastrear dinheiro, checar bens, às vezes por anos. Dá trabalho. E existe toda uma cultura policial voltada para outros crimes mais visíveis, como o contrabando – analisa Schneider, um dos procuradores que atuaram na maior ação federal envolvendo corrupção em órgão público no Estado, a Operação Rodin, de 2007, que apurou fraude no Detran.
O juiz da 1ª Vara Criminal Federal de Porto Alegre, José Paulo Baltazar Junior, acredita que houve mesmo uma diminuição no ritmo dos casos de colarinho-branco. Mas ressalta que o trabalho contra doleiros continua firme.
Presidente da Associação dos Delegados da PF no Estado, Sérgio Busato está convicto de que a instituição deu uma guinada tática, e a repressão na região fronteiriça virou prioridade. Inclusive em verbas. O orçamento do Ministério da Justiça, ressalta ele, sofreu cortes. Antes de R$ 2 bilhões anuais e mais R$ 1,2 bilhão para o Pronasci, agora o total é de R$ 2 bilhões. O corte nas verbas se reflete na rotina dos agentes e alimenta a greve, que já dura 65 dias. O governo determinou que todas as diárias sejam submetidas à autorização prévia. Cada vez que o limite é extrapolado, a PF é duramente cobrada.
A Associação dos Delegados da PF chegou a publicar nota insinuando que estaria ocorrendo uma “desidratação (da instituição) voltada a evitar eventual desconforto ao governo, notadamente nas operações de combate à corrupção”. Busato usa palavras mais amenas.
– A PF ganhou respeitabilidade não por priorizar o contrabando, mas por ter atingido a camada política antes imune às investigações. Será que a atual opção agrada à população? – pondera Busato.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Por este e outros motivos é que defendo a Polícia Federal fora da atividade de policiamento de fronteiras. A Polícia Federal é uma polícia de elite investigativa que deve continuar sua dinâmica de trabalho sem ficar amarrada a postos de controle, patrulhamento de acessos de fronteira e outros papéis que fixam o policial em determinadas missões preventivas. Por esta razão é que defendo a transformação da Polícia Rodoviária Federal em Polícia Nacional de Fronteiras ou então criar uma força paramilitar para este mistér, desamarrando a Polícia Federal destas obrigações. Assim como as Forças Armadas fazem nas questões logísticas, a Polícia Federal daria o apoio investigativo e em força nas operações de contenção do crime organizado. Sem estas amarras, a Polícia Federal poderia ocntinuar seu trabalho contra os crimes que envolvem repercussão internacional e autoridades e recursos públicos. Afastar os policiais federais deste esforço, é atender interesses de corruptos e traficantes internacionais.
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