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ZERO HORA 06 de outubro de 2012 | N° 17214
MASCOTE DA DISCÓRDIA.
Episódio coloca em debate atuação da BM
As cenas de violência no Largo Glênio Peres, registradas por diferentes ângulos, ganharam a internet ontem e tiveram como efeito provocar em todo o Estado um debate sobre a forma de ação da Brigada Militar. Enquanto uma parcela dos gaúchos usava a rede para aplaudir o uso da força, outra repudiava o que considerou uma violência despropositada por parte dos policiais. O comportamento dos PMs dividiu também autoridades e especialistas.
A ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a gaúcha Maria do Rosário, usou o Twitter para criticar a Brigada Militar.
– Não há sentido em destruir o símbolo da Copa, mas a polícia não teve preparo para resolver a situação. Agiu como não deve: com violência – argumenta a ministra
Especialistas que assistiram aos vídeos a pedido de ZH, contudo, consideram que a ação policial foi correta. O estudioso André Luís Woloszyn é um dos que defendeu a ação.
– Os policiais utilizaram os meios necessários para afastar o grupo. Embora seja algo chocante de assistir, não observei nenhum excesso, e sim a tentativa de afastar os manifestantes de seu intento.
José Vicente da Silva Filho, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, observa que existe escala de cinco degraus no uso da força, correspondentes à ameaça. O quinto degrau se configura quando há ameaça concreta à vida dos policiais. Segundo ele, a situação se encaixa no nível quatro de risco:
– É um quadro grave, em que o diálogo é impossível e a polícia tem de usar artefatos como bomba de efeito moral e bala de borracha para dissolver a multidão. As imagens mostram pessoa partindo para o confronto e, mesmo com a presença de barreira policial, indo depredar o patrimônio. Isso configura crime.
Uma das imagens mais fortes mostra uma jovem filmando sozinha, sem manifestantes ao redor e em atitude que não parece configurar ameaça, ser agredida pelo PMs e jogada ao chão. Silva Filho afirma que ali pode ter ocorrido um erro da Brigada Militar.
O comandante-geral da BM, Sérgio Roberto de Abreu, que considerou correta toda a ação dos policiais, defende a ideia de que não se pode pinçar ações isoladas de dentro de um cenário mais amplo:
– Não dá para pegar uma coisa aqui e outra ali. Existe um contexto. Choveu paralelepípedo.
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Por que a fúria contra o tatu?
CARLOS ROLLSING E ITAMAR MELO
O confronto no Largo Glênio Peres, que incluiu o ataque ao boneco da Copa do Mundo, foi o capítulo mais tenso de uma antiga briga entre grupos de jovens e prefeitura de Porto Alegre. Os manifestantes reclamam das ações que preparam a Capital para 2014. Em nota, o Paço Municipal lamentou o episódio.
O tombamento do boneco da Copa na batalha do Largo Glênio Peres, na quinta-feira à noite, não foi um ato isolado. Marcado por imagens do conflito entre brigadianos e manifestantes, o episódio representou o ápice da tensão entre a prefeitura de Porto Alegre e coletivos populares, integrados por jovens que protestam contra o que eles chamam de “higienização” da cidade para receber a Copa do Mundo.
Ontem, além de fazer um novo protesto, membros do movimento Defesa Pública da Alegria se reuniram no assentamento urbano Utopia e Luta para discutir uma nota oficial. Lá estavam músicos, artistas de teatro, artistas plásticos e ativistas políticos dos coletivos, como o Levante da Juventude, Bloco da Laje, Cidade Baixa Livre e Comitê Latino Americano. Apesar de os grupos abrigarem militantes do PT, PSOL e PSTU, as manifestações costumam ser apartidárias. Isso porque uma espécie de comando moral é exercido por grupos anarco-punks-extremistas, como o coletivo Galera do Bosque, que não admitem a partidarização dos movimentos. Durante o encontro, havia preocupação e irritação com a suposta imposição do estereótipo de “vândalos sem causa” aos manifestantes.
Um dos alvos principais do grupo é uma lei aprovada em 2011 que proibiu atividades culturais, artísticas e feiras populares no Largo Glênio Peres. Também incluem na conta as ações da Secretaria de Indústria e Comércio (Smic) na Cidade Baixa, onde bares foram fechados. Citam, ainda, a política chamada por eles de “privatização de espaços públicos” – a Coca Cola está presente no auditório Araújo Vianna e no próprio Largo Glênio Peres – e as remoções de famílias que moram em locais de obras da Copa. Foram esses os ideais que motivaram os coletivos a organizar o ato denominado Defesa Pública da Alegria.
Mobilizados pelo Facebook, centenas de jovens que foram ao protesto na quinta-feira se concentraram desde as 16h em frente à prefeitura. Com amplificadores de som, tocaram MPB como protesto. Passava das 23h quando eles decidiram atravessar a Avenida Borges de Medeiros para fazer uma “volta olímpica” no Glênio Peres para finalizar o ato. O clima começou a esquentar quando um brete que cercava o mascote da Copa foi removido. Um rapaz e duas garotas ingressaram na área reservada e pararam ao lado do boneco inflável. Os manifestantes reclamam das agressões – vários sofreram lesões, cortes e traumatismos – e da forte repressão às pessoas, inclusive mulheres, que gravavam o episódio.
A prefeitura se manifestou em nota oficial. Usou palavras como “vandalismo” e “depredação” para lamentar o confronto.
O enfrentamento produzirá desdobramentos. Foram registradas ocorrências por lesões corporais por três policiais militares, três manifestantes e um guarda municipal. Duas pessoas acabaram presas em flagrante – até a tarde de ontem, uma havia sido libertada após pagamento de fiança.
RODRIGO MÜZELL | Editor de Copa
O tatu expiatório
A confusão de quinta, que resultou num tatu-bola murcho, pessoas feridas e intermináveis discussões na internet, não significa que a Copa de 2014 é rejeitada por Porto Alegre. O mesmo mascote, que nem nome tem ainda, andava sendo visto com simpatia por quem passava pelo Centro especialmente crianças, que gostavam de tirar fotos com o bicho.
Também não prejudicou a imagem da Capital no Exterior – a confusão não ganhou as manchetes, e quem se interessa pela preparação do Brasil para o Mundial vê o episódio como um perrengue doméstico – o que, de fato, é. Murchar o tatu-bola não fez a Fifa sequer pensar em rever sua política de promover a Copa nas cidades brasileiras bem antes que apareçam os benefícios concretos prometidos pelos governantes que a atraíram – obras, qualificação, negócios. Na verdade, a Fifa foi informada do assunto pelos organizadores gaúchos da Copa e deu de ombros: para a entidade, o problema não teve nada a ver com o Mundial.
Só o que a confusão mostrou com clareza foi o despreparo de Porto Alegre. Não exatamente para receber uma Copa do Mundo, mas para encontrar soluções para seus problemas. Vimos manifestantes incapazes de conviver com um símbolo do que desprezam e de protestar sem depredar o que está pela frente. Em seguida, uma polícia incapaz de fazer seu trabalho sem excessos, sem agredir jovens que simplesmente filmavam o que viam.
No Centro de uma cidade que gosta de resolver tudo pelo confronto, o tatu-bola acabou numa discussão que tem pouco a ver com ele, com a Copa ou com futebol – anarquistas e brigadianos provavelmente assistirão aos mesmos jogos em 2014. O fato de quinta-feira tem tudo a ver, isso sim, com a capacidade cada vez mais rara de dialogar.
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