ZERO HORA 24 de janeiro de 2013 | N° 17322
A AÇÃO NO TRENSURB
A reação do soldado da Brigada Militar durante abordagem em uma estação do trensurb, na Capital, alcançou forte repercussão nas redes sociais, dividindo a opinião de especialistas e de leitores de Zero Hora na internet.
MARCELO GONZATTO E TAÍS SEIBT
Especialistas divergem sobre a ação flagrada em vídeo que mostra um policial militar em confronto com um homem armado com faca em uma estação do trensurb, na tarde de terça-feira. Parte das opiniões sustenta que o soldado Vinicius Alves de Souza, 28 anos, agiu em legítima defesa mediante a aproximação de José Betamin Nunes, 33 anos. Outro ponto de vista sugere que disparar a arma em meio ao público colocou a vida de outras pessoas em risco – outro passageiro foi atingido na canela.
O vídeo gravado em celular por outro passageiro mostra que o homem se levanta e parte em direção à porta, enquanto o policial recua. Em seguida, fora do alcance da lente, ouve-se o tiro que atravessou o abdômen do suspeito.
– O policial primeiro tentou persuadir, não conseguiu e depois agiu em legítima defesa. Fez tudo corretamente – avalia o especialista em segurança Carlos Alberto Portolan.
Outro consultor em segurança, Dempsey Magaldi, também entende que o tiro foi justificado:
– O policial tem o dever de agir diante da ameaça à sociedade. Pelo manual de instrução da polícia, seria proibido se omitir.
Para o especialista em segurança pública Marcos Rolim, porém, o recurso empregado colocou em risco a vida de inocentes. Ele diz que a legítima defesa se aplica em casos de risco iminente de vida e quando a reação é proporcional à ameaça:
– A postura do policial ao enquadrar o rapaz sentado sob a mira da arma é antiprofissional. Sentado, ele não representava risco.
Delegado: não houve excesso
Rolim acredita que a melhor técnica seria imobilizar o homem enquanto ele se encontrava sentado.
– A norma universal diz que policiais devem evitar a todo custo disparos onde há gente passando.
Portolan, embora considere que o soldado não descumpriu nenhuma norma, acrescenta que a saída ideal teria sido usar o cassetete para desarmar e imobilizar Nunes:
– Mas seria necessário um melhor treinamento do que há hoje.
A Brigada Militar deverá investigar a ação do policial
– O treinamento da BM orienta a sempre tentar preservar a vida, salvo em excludentes como a legítima defesa – afirma o comandante do Batalhão de Operação Especiais, tenente-coronel Kleber Goulart.
Para o delegado Filipe Bringhenti, embora as imagens das câmeras de segurança da Trensurb não permitam apontar o momento exato do disparo, a alegação de legítima defesa de Souza é corroborada pelas testemunhas:
– Sabemos que foi feito apenas um disparo, de cima para baixo, uma posição de segurança. Ele não se excedeu e usou do único meio de defesa que tinha à disposição naquele momento para enfrentar o suspeito, que estava armado com uma faca – sustenta o delegado.
O impacto da divulgação de vídeos
Ao mesmo tempo em que a gravação de um fato violento pode servir para expor a realidade, a divulgação na imprensa de imagens pode trazer uma sensação de insegurança e até mesmo um trauma a quem assiste. Com opiniões divergentes, especialistas avaliam os resultados da exposição de agressões, cada vez mais fácil de serem captadas e disseminadas.
Para a psicóloga e psicoterapeuta Marli Sattler, imagens como as do tumulto no trensurb são cada vez mais comuns. Ela analisa que a divulgação pode trazer efeitos negativos em quem assiste:
– Ver as cenas é mais impactante do que ouvir falar. Então, as pessoas tendem a se sentir mais inseguras ao ver esse tipo de imagem por dois aspectos: sabem de uma quantidade bem maior de situações, e vê-las é mais chocante do que ficar sabendo por ouvir dizer. Isso contribui para essa sensação de maior insegurança.
Já na opinião do psicanalista Mário Corso, a veiculação das imagens pode servir para abrir um debate sobre a atitude dos envolvidos. Ele chama estas situações de realidade ampliada e não vê problemas na divulgação, desde que o que tenha sido gravado não invada a privacidade de alguém:
– Essa é a realidade, vimos como todas as pessoas que estavam lá no trensurb. Serve para saber o que realmente aconteceu, não fica no “disse me disse”, ajuda a dar transparência .
Especializado em trauma, o psicólogo Edson Sá Borges aposta em uma edição das imagens – que não mostre o momento da agressão – para não correr o risco de traumatizar um número maior de pessoas na exposição feita pela mídia. Ele comenta que o trauma pode ser multiplicado e a violência, banalizada:
– Não concordo com a ideia de que se mostrar aumenta a consciência das pessoas e funcionaria como uma maneira de coibir.
O trensurb
O gerente de operações da Trensurb, Rubenildo Ignácio, considera a ocorrência de terça-feira um episódio isolado:
– É um caso extremamente raro, de uma pessoa descontrolada e armada no trem. Não temos registro de outro caso como esse – afirma ele.
Embora usuários do trem já tenham sido vítimas de furtos dentro dos vagões, o mais comum é ataque a bilheterias da Trensurb – foram 19 assaltos em 2012. Ignácio destaca que esse problema foi contornado, com a identificação e a prisão da quadrilha.
– Temos mais de 300 câmeras no sistema, com o pessoal monitorando isso e temos gravação de tudo o que está ocorrendo – destaca.
A Trensurb conta com 118 funcionários na segurança, que fazem o controle das câmeras e circulam nos trens e nas estações.
Os personagens
José Betamin Nunes - suspeito - Conforme testemunhas, José Nunes, 33 anos, estaria ameaçando passageiros com uma faca. Atingido pelo disparo de um PM no abdômen, passou por cirurgia e seguia internado em estado estável. Ele foi autuado em flagrante por tentativa de homicídio contra o policial. A perícia encontrou maconha na mochila dele. Até ontem, nenhum familiar havia sido encontrado e ninguém havia procurado por Nunes no hospital.
Vinicius A. de Souza - Policial militar - Natural de Passo Fundo, o soldado de 28 anos estava na Estação Anchieta para se deslocar à rodoviária, onde embarcaria em um ônibus até a cidade natal para ver a mulher, grávida de sete meses. Ele foi chamado para intervir na ocorrência em que Nunes estaria ameaçando passageiros em um dos vagões. Em entrevista a ZH, na início da madrugada de ontem, Souza contou que tentou negociar com Nunes, que teria investido contra ele com a faca, forçando-o a reagir.
Lucas Silvestre Vargas - gravou o vídeo - O analista de sistemas Lucas Silvestre Vargas, 27 anos, que mora em São Leopoldo e trabalha em Porto Alegre, estava voltando para casa, por volta das 17h30min de terça-feira, quando testemunhou o incidente. Ele gravou em celular a abordagem do PM ao homem que estava deitado no chão, com uma faca na mão. Vargas relata que Nunes estava “transtornado”, mas não conseguiu ver se ele ameaçou o policial com a faca no momento do disparo, devido ao tumulto no vagão. As imagens registram o som do disparo logo após Nunes sair do vagão.
A repercussão
Até as 22h de ontem, o vídeo na página de ZH no Facebook teve 651 “curtidas”, 1.430 compartilhamentos e 641 comentários. Leia alguns deles:
Cloris Tavares Abbad - “Imagine-se dentro de um veículo, sem ter como escapar..... Já presenciei briga dentro de ônibus. É terror puro..... Temos que começar a agir como em NY, tempos atrás. TOLERÂNCIA ZERO...”
Charles Nunes - “O policial agiu totalmente dentro da técnica, havia risco de vida, uma faca pode ser muito mais letal do que uma arma de fogo.”
Fabio Boff - “Perfeita a atitude do policial. O cara estava armado com uma faca e foi pra cima dele, depois o vagabundo mata o policial aí a policia que é destreinada!”
Vítor Garcia: - “O policial agiu certo. O suspeito caminhou pra cima dele com uma faca, o que mais ele poderia fazer se não atirar para pará-lo? O tiro não matou o sujeito, só o feriu. Parabéns ao policial.”
Ceci Guedes - “Mostra policiais completamente despreparados para enfrentar qualquer tipo de situação e ainda mais zelando por nossa segurança.. Triste com uma coisa dessa!”
Alex Sandro Oliveira - “Para mim esse policial é despreparado. Se todos os PMs fossem agir assim muita gente estaria morta. Cada caso é um caso. Nesse caso, ele deixou a desejar.”
Diogo Cesar - “O policial nao sabe como agir e ainda faz uma abordagem totalmente equivocada.”
O que fazer
Confira algumas recomendações para o cidadão comum que se vê em meio a um conflito como o registrado em vídeo dentro do trensurb:
- Mantenha a maior distância possível da fonte de risco, a exemplo de uma pessoa armada com faca ou revólver.
- Procure chamar a polícia ou um segurança o mais rapidamente possível.
- Não tente interferir diretamente na situação, como procurar desarmar o agressor.
- Muito cuidado ao querer filmar ou fotografar a situação. Lembre-se que ficar próximo à ação aumenta o risco de se tornar vítima.
Fonte: especialista em segurança Carlos Alberto Portolan