ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

domingo, 3 de agosto de 2014

UM CASO DE POLÍCIA



FOLHA.COM 03/08/2014 02h00


Ferreira Gullar 


Não faz muito tempo, escrevi aqui uma crônica em que procurava mostrar que a desmoralização da polícia não ajuda os cidadãos e, sim, ao contrário, ajuda os criminosos.

Dizia, portanto, apenas o óbvio, uma vez que a polícia é um órgão do Estado, criado e mantido por ele, para garantir a segurança dos cidadãos. Admitia, claro, que muitos policiais abusam da autoridade que lhes é delegada por nós e chegam mesmo a agir como bandidos.

Mas não é assim que age a maioria dos policiais. Esses merecem nosso respeito e nosso reconhecimento, já que a sua função implica frequentemente em pôr a própria vida em risco.

Isso afirmei naquela ocasião e o mantenho, porque é essencialmente verdade. Não obstante, a divulgação de um vídeo gravado dentro de um carro-patrulha da Polícia Militar do Rio de Janeiro deixou-me chocado e revoltado. Não tenho dúvida de que essa terá sido a reação de todas as pessoas que o viram.

No carro estavam dois cabos da PM que haviam prendido três garotos suspeitos de praticarem furtos no centro da cidade.

Puseram os garotos na mala do carro e rumaram para o morro do Sumaré, que fica acima da floresta da Tijuca, local habitualmente deserto.

Enquanto viajavam para lá, estavam sendo filmados por um equipamento de vídeo instalado no veículo, com o propósito de controlar a ação dos seus ocupantes.

Os soldados pareciam se divertir com aquela tarefa e conversavam: "Vamos descarregar a arma neles?...", disse um deles, e o outro: "Jogar eles lá de cima". Conversavam e riam, como se falassem de coisas engraçadas.

Finalmente, chegaram ao alto do Sumaré. Fizeram o terceiro garoto descer e seguiram até o ponto em que estacionaram e um deles saiu para tirar os garotos do porta-malas. Em seguida, o outro guarda também saiu do carro. Dava para ver o momento em que abriram a mala, mas a partir daí a gravação parou.

Não se viu nem ouviu o que aconteceu, para onde os levaram, o que fizeram com eles.

Depois de um tempo, retornam e a gravação recomeça. Dão a volta no carro e, mais adiante, pegam o garoto que haviam deixado na estrada. Por que o deixaram ali e agora o pegam de volta? Para que não visse o que iam fazer com os outros dois?

Fazem-no sentar no banco traseiro e um dos guardas diz a ele que, se souberem que alguém andou falando do que ocorreu ali, a coisa vai engrossar.

Avisam-lhe que deve ficar de bico calado, não sabe de nada, não aconteceu nada. Mais tarde, quando certamente já estão de volta à cidade, fazem o garoto descer e seguem seu caminho, sorridentes, felizes da tarefa realizada. Mas que tarefa foi essa: matar os dois pivetes?

Inacreditável, pensei comigo mesmo. Que há policiais que matam bandidos, todo mundo sabe. Mas, neste caso, havia uma coisa surpreendente: aqueles dois cabos da PM disseram o que disseram, dando a entender que iam executar os garotos, sabendo que estavam sendo gravados pelas duas câmeras instaladas no carro.

As câmeras não são postas ali sem o conhecimento de quem usa o veículo; são postas ali para que eles saibam que estão sendo vigiados. E sabem também que as gravações são depois levadas para a sede da polícia e armazenadas para serem posteriormente analisadas por oficiais da corporação.

E mesmo assim aqueles dois cabos deixavam claro que iam dar fim aos meninos e ainda ameaçam o terceiro para que não conte nada do que houve?

Ou seja, se o menino não falar, nada se saberá. Mas e a gravação?

Pois, sim, se os policiais sabiam que tudo o que diziam estava sendo gravado, se deixaram claro que puseram os garotos na mala do carro, que depois os tiraram de lá e os executaram e o vídeo mostra isso, a pergunta inevitável é esta: eles estavam certos de que, ainda que o comando da PM viesse a saber do crime que praticaram, nada lhes aconteceria?

Ou seja, o comando da PM está de acordo com a execução de suspeitos?

Sinceramente, sem pretender fazer juízo antecipado de ninguém, acho que o comando da Polícia Militar do Rio de Janeiro deve uma explicação à opinião pública.COMPARTILHE
ferreira gullar
Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos domingos.

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