HUMBERTO TREZZI
Interdição ameaça solução de crimes
Fechamento do principal edifício do IGP provoca queda nas emissões de laudos vitais para o esclarecimento de assassinatos e outros delitos graves
O vigilante Oziel Santos de Melo, que trabalhava na portaria de uma obra no bairro Humaitá, em Porto Alegre, foi morto com um tiro no pescoço no dia 20. Após matá-lo, ladrões levaram uma TV e um computador. Os policiais civis que investigam o caso já receberam informações sobre uma quadrilha que atua na região. Se conseguirem apreender a arma de algum suspeito, isso de pouco adiantará. É que os testes de balística do Instituto-geral de Perícias (IGP) não são feitos há um mês e não há perspectiva, a curto prazo, de quando serão retomados.
Desde 1º de novembro, o principal prédio do IGP, o do Departamento de Criminalística, está interditado por determinação da prefeitura, em decorrência da falta de proteção contra incêndio. Apesar de bem-intencionada, a medida acarretou um efeito colateral devastador em uma repartição que já sofre com a morosidade, por carência de funcionários. Vital para elucidar crimes como homicídios e latrocínios, o setor de balística do IGP não emitiu nenhum laudo neste período. Nesse local, deixam de ser feitas 30 perícias por dia, em média. Isso significa 900 perícias não realizadas desde que o prédio foi fechado. São exames de projéteis (em média, 20 por dia) e armas (10 por dia) que não aconteceram. O cálculo é do Sindicato dos Peritos Criminais do Rio Grande do Sul.
O setor de balística está inoperante porque nele funcionam laboratórios de revelação química, necessária para verificar a numeração de armas apreendidas. Ele tem esgoto especial, locais de exames isolados (para evitar contaminações químicas ou por líquidos de outras perícias). Como o prédio principal do IGP foi interditado sem que se tivesse construído novos laboratórios, essa ala está paralisada. Alguns servidores estão em casa, outros, em férias.
Esse setor não é o único atingido. Conforme dois sindicatos, dos Servidores da Perícia e dos Peritos, a média de perícias diárias em todo o IGP caiu, desde 1º de novembro, de 73 para 52. Num cálculo aproximado, deveriam ser feitos, nos últimos 30 dias, 2,2 mil laudos, mas foram realizados pouco mais de 1,5 mil. Ou seja, 30% deixaram de ser concluídos. Os servidores reclamam que o serviço está pulverizado entre vários prédios inadequados para um bom trabalho.
– Não é só na balística o problema. Há também na informática e na fonética. Na documentoscopia, uns 70 laudos não foram emitidos por falta de lugar adequado para trabalhar. Na perícia ambiental, 40 perícias não foram agendadas e 40 não foram expedidas – diz o presidente do Sindicato dos Peritos Criminais, Álvaro Bitencourt.
Cerca de 20 plantonistas, que permanecem 24 horas atuando em locais de crime, estão praticamente acampados em uma sala do Departamento de Identificação. Alguns descansam em colchonetes, outros, em poltronas, quando o normal seria camas. Cogita-se greve, se não houver mudanças.
O reflexo disso para a população é a impunidade, alertam especialistas. Atrasos de perícias retardam a conclusão dos inquéritos policiais e podem até comprometer os resultados, se a Justiça entender que réus devem ser libertados por decurso de prazo (quando passa tempo demais entre o indiciamento e a possível condenação).
– Isso acarreta a soltura de réus perigosos, adia júris e faz com que o juiz suspenda prisões preventivas, porque o suspeito passou muito tempo na prisão, sem que a perícia comprovasse seu crime. O surgimento de novas delegacias de homicídios é excelente, mas não adianta se as perícias atrasarem – analisa Eugênio Amorim, promotor da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre.
Odival Soares, diretor do Departamento de Homicídios da Polícia Civil, prefere não polemizar, mas admite:
– Nos casos em que apreendemos armas com suspeitos, a perícia é vital, e os atrasos são rotineiros.
A falta de funcionários é outro dilema. O quadro de cargos de provimento do IGP prevê 1.766 servidores. Hoje, são 862, média que se mantém há anos. Os concursos sequer suprem aposentadorias e desistências, segundo a presidente do Sindicato dos Servidores do IGP, Cláudia Bacelar Rita.
– Muitos desistem da carreira porque o salário inicial é de R$ 1,4 mil (para nível médio) e de R$ 4,5 mil (para alguns de nível superior), excetuados adicionais por risco de vida. Muitos médicos vão embora, porque qualquer posto de saúde na Capital paga pelo menos R$ 9,5 mil, sem exigir exclusividade – exemplifica .
Atualmente, há negociações entre associações de peritos e a direção do IGP, para solucionar os impasses no universo da perícia gaúcha.
Novo prédio só existe no papel
O governo estadual anunciou há poucos dias que o Rio Grande do Sul terá um Centro de Excelência em Perícia Criminal, o primeiro do gênero no Brasil. As obras devem começar até 2015, e o Ministério da Justiça já disponibilizou R$ 28 milhões, além dos R$ 2,8 milhões de contrapartida da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP). O único problema na notícia, divulgada em novembro, é que há quase três anos o governo Yeda Crusius fez anúncio semelhante.
Caberá ao IGP, inclusive, atender, quando necessário, os Estados de Santa Catarina, Paraná e países vizinhos, informa o secretário da Segurança Pública, Airton Michels.
O prédio, a ser construído na Rua Voluntários da Pátria, está previsto para ter sete andares e abrigará todos os setores e divisões do Departamento de Criminalística e do Departamento de Perícias Laboratoriais. O Departamento de Identificação seguirá na Avenida da Azenha, e o Departamento Médico Legal, na Avenida Ipiranga.
Serão comprados equipamentos de laboratório, como microscópios e scanners de corpo.
Um prédio em tudo similar ao que agora é prometido pelo governo Tarso Genro foi anunciado pela ex-governadora, inclusive com lançamento de maquete. Estava orçado em R$ 60 milhões. Ficou apenas na maquete. Zero Hora procurou representantes da segurança pública na gestão Yeda Crusius. Tentou obter opiniões do ex-secretário Edson Goularte e do ex-presidente do IGP, Áureo Figueiredo Martins. Nenhum deles deu retorno aos pedidos de entrevista.
O cotidiano dos sem-laboratório
Indispensável para fornecer provas materiais contra suspeitos de assassinato ou roubo, o setor de balística está inoperante desde 31 de outubro. Era o que mais necessitava de isolamento, dentro do prédio do Departamento de Criminalística, na Avenida Princesa Isabel, em Porto Alegre. Os peritos recebem armas e com elas fazem, via de regra, vários testes, como verificar se funciona e se não está adulterada (com numeração raspada ou peças trocadas para aumentar o calibre). São cerca de 600 armas por mês, nos cálculos de quem atua ali.
Outros 300 testes envolvem apenas projéteis. O perito faz a chamada coleta de padrão, que consiste em disparar com a arma suspeita dentro de um caixão forrado, pegar a bala e compará-la, ao microscópio, com o projétil coletado no local do crime. Cada projétil, ao ser disparado, fica marcado com ranhuras impressas pelo cano da arma.
– É como uma impressão digital marcada em chumbo – define um perito consultado por ZH.
A comparação das ranhuras do projétil coletado no local do crime às do que foi disparado pela arma apreendida só pode ser feita em microscópios. E os disparos devem ser feitos em câmeras existentes no DC, porque envolvem ruídos. Pois tudo isso parou e não há perspectiva de volta, a curto prazo.
Desde o início de novembro, os microscópios, a seção química – que usa produtos especiais para analisar adulterações das armas – e as câmeras de disparo não operam, porque o prédio foi interditado.
Sem trabalhar na sua função-fim, os peritos da balística estão atuando na Academia Integrada de Segurança Pública, elaborando Procedimentos de Operação Padrão (manuais sobre a rotina de serviço). Sem tiros, sem microscópio, sem laudos.
– Muitos aproveitaram para tirar férias ou licença-prêmio. Outros apenas vão para casa, esperam. Nunca vivemos algo parecido – resume um perito com três décadas de experiência.
Ainda não há data prevista para a reabertura dos laboratórios do setor de balística.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Onde estão todos aqueles argumentos que justificaram a saída da perícia do corpo da polícia investigativa?
Interdição ameaça solução de crimes
Fechamento do principal edifício do IGP provoca queda nas emissões de laudos vitais para o esclarecimento de assassinatos e outros delitos graves
O vigilante Oziel Santos de Melo, que trabalhava na portaria de uma obra no bairro Humaitá, em Porto Alegre, foi morto com um tiro no pescoço no dia 20. Após matá-lo, ladrões levaram uma TV e um computador. Os policiais civis que investigam o caso já receberam informações sobre uma quadrilha que atua na região. Se conseguirem apreender a arma de algum suspeito, isso de pouco adiantará. É que os testes de balística do Instituto-geral de Perícias (IGP) não são feitos há um mês e não há perspectiva, a curto prazo, de quando serão retomados.
Desde 1º de novembro, o principal prédio do IGP, o do Departamento de Criminalística, está interditado por determinação da prefeitura, em decorrência da falta de proteção contra incêndio. Apesar de bem-intencionada, a medida acarretou um efeito colateral devastador em uma repartição que já sofre com a morosidade, por carência de funcionários. Vital para elucidar crimes como homicídios e latrocínios, o setor de balística do IGP não emitiu nenhum laudo neste período. Nesse local, deixam de ser feitas 30 perícias por dia, em média. Isso significa 900 perícias não realizadas desde que o prédio foi fechado. São exames de projéteis (em média, 20 por dia) e armas (10 por dia) que não aconteceram. O cálculo é do Sindicato dos Peritos Criminais do Rio Grande do Sul.
O setor de balística está inoperante porque nele funcionam laboratórios de revelação química, necessária para verificar a numeração de armas apreendidas. Ele tem esgoto especial, locais de exames isolados (para evitar contaminações químicas ou por líquidos de outras perícias). Como o prédio principal do IGP foi interditado sem que se tivesse construído novos laboratórios, essa ala está paralisada. Alguns servidores estão em casa, outros, em férias.
Esse setor não é o único atingido. Conforme dois sindicatos, dos Servidores da Perícia e dos Peritos, a média de perícias diárias em todo o IGP caiu, desde 1º de novembro, de 73 para 52. Num cálculo aproximado, deveriam ser feitos, nos últimos 30 dias, 2,2 mil laudos, mas foram realizados pouco mais de 1,5 mil. Ou seja, 30% deixaram de ser concluídos. Os servidores reclamam que o serviço está pulverizado entre vários prédios inadequados para um bom trabalho.
– Não é só na balística o problema. Há também na informática e na fonética. Na documentoscopia, uns 70 laudos não foram emitidos por falta de lugar adequado para trabalhar. Na perícia ambiental, 40 perícias não foram agendadas e 40 não foram expedidas – diz o presidente do Sindicato dos Peritos Criminais, Álvaro Bitencourt.
Cerca de 20 plantonistas, que permanecem 24 horas atuando em locais de crime, estão praticamente acampados em uma sala do Departamento de Identificação. Alguns descansam em colchonetes, outros, em poltronas, quando o normal seria camas. Cogita-se greve, se não houver mudanças.
O reflexo disso para a população é a impunidade, alertam especialistas. Atrasos de perícias retardam a conclusão dos inquéritos policiais e podem até comprometer os resultados, se a Justiça entender que réus devem ser libertados por decurso de prazo (quando passa tempo demais entre o indiciamento e a possível condenação).
– Isso acarreta a soltura de réus perigosos, adia júris e faz com que o juiz suspenda prisões preventivas, porque o suspeito passou muito tempo na prisão, sem que a perícia comprovasse seu crime. O surgimento de novas delegacias de homicídios é excelente, mas não adianta se as perícias atrasarem – analisa Eugênio Amorim, promotor da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre.
Odival Soares, diretor do Departamento de Homicídios da Polícia Civil, prefere não polemizar, mas admite:
– Nos casos em que apreendemos armas com suspeitos, a perícia é vital, e os atrasos são rotineiros.
A falta de funcionários é outro dilema. O quadro de cargos de provimento do IGP prevê 1.766 servidores. Hoje, são 862, média que se mantém há anos. Os concursos sequer suprem aposentadorias e desistências, segundo a presidente do Sindicato dos Servidores do IGP, Cláudia Bacelar Rita.
– Muitos desistem da carreira porque o salário inicial é de R$ 1,4 mil (para nível médio) e de R$ 4,5 mil (para alguns de nível superior), excetuados adicionais por risco de vida. Muitos médicos vão embora, porque qualquer posto de saúde na Capital paga pelo menos R$ 9,5 mil, sem exigir exclusividade – exemplifica .
Atualmente, há negociações entre associações de peritos e a direção do IGP, para solucionar os impasses no universo da perícia gaúcha.
O governo estadual anunciou há poucos dias que o Rio Grande do Sul terá um Centro de Excelência em Perícia Criminal, o primeiro do gênero no Brasil. As obras devem começar até 2015, e o Ministério da Justiça já disponibilizou R$ 28 milhões, além dos R$ 2,8 milhões de contrapartida da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP). O único problema na notícia, divulgada em novembro, é que há quase três anos o governo Yeda Crusius fez anúncio semelhante.
Caberá ao IGP, inclusive, atender, quando necessário, os Estados de Santa Catarina, Paraná e países vizinhos, informa o secretário da Segurança Pública, Airton Michels.
O prédio, a ser construído na Rua Voluntários da Pátria, está previsto para ter sete andares e abrigará todos os setores e divisões do Departamento de Criminalística e do Departamento de Perícias Laboratoriais. O Departamento de Identificação seguirá na Avenida da Azenha, e o Departamento Médico Legal, na Avenida Ipiranga.
Serão comprados equipamentos de laboratório, como microscópios e scanners de corpo.
Um prédio em tudo similar ao que agora é prometido pelo governo Tarso Genro foi anunciado pela ex-governadora, inclusive com lançamento de maquete. Estava orçado em R$ 60 milhões. Ficou apenas na maquete. Zero Hora procurou representantes da segurança pública na gestão Yeda Crusius. Tentou obter opiniões do ex-secretário Edson Goularte e do ex-presidente do IGP, Áureo Figueiredo Martins. Nenhum deles deu retorno aos pedidos de entrevista.
O cotidiano dos sem-laboratório
Indispensável para fornecer provas materiais contra suspeitos de assassinato ou roubo, o setor de balística está inoperante desde 31 de outubro. Era o que mais necessitava de isolamento, dentro do prédio do Departamento de Criminalística, na Avenida Princesa Isabel, em Porto Alegre. Os peritos recebem armas e com elas fazem, via de regra, vários testes, como verificar se funciona e se não está adulterada (com numeração raspada ou peças trocadas para aumentar o calibre). São cerca de 600 armas por mês, nos cálculos de quem atua ali.
Outros 300 testes envolvem apenas projéteis. O perito faz a chamada coleta de padrão, que consiste em disparar com a arma suspeita dentro de um caixão forrado, pegar a bala e compará-la, ao microscópio, com o projétil coletado no local do crime. Cada projétil, ao ser disparado, fica marcado com ranhuras impressas pelo cano da arma.
– É como uma impressão digital marcada em chumbo – define um perito consultado por ZH.
A comparação das ranhuras do projétil coletado no local do crime às do que foi disparado pela arma apreendida só pode ser feita em microscópios. E os disparos devem ser feitos em câmeras existentes no DC, porque envolvem ruídos. Pois tudo isso parou e não há perspectiva de volta, a curto prazo.
Desde o início de novembro, os microscópios, a seção química – que usa produtos especiais para analisar adulterações das armas – e as câmeras de disparo não operam, porque o prédio foi interditado.
Sem trabalhar na sua função-fim, os peritos da balística estão atuando na Academia Integrada de Segurança Pública, elaborando Procedimentos de Operação Padrão (manuais sobre a rotina de serviço). Sem tiros, sem microscópio, sem laudos.
– Muitos aproveitaram para tirar férias ou licença-prêmio. Outros apenas vão para casa, esperam. Nunca vivemos algo parecido – resume um perito com três décadas de experiência.
Ainda não há data prevista para a reabertura dos laboratórios do setor de balística.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Onde estão todos aqueles argumentos que justificaram a saída da perícia do corpo da polícia investigativa?
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