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sábado, 21 de dezembro de 2013

FARDO PELO RESTO DA VIDA

ZERO HORA 21 de dezembro de 2013 | N° 17651

CARLOS WAGNER

ENTREVISTA - 
“Vou carregar esse fardo pelo resto da vida”

LEONEL CARIVALI Delegado da Polícia Civil



Personagem de um episódio que ficou na história policial do Estado, o delegado Leonel Fagundes Carivali, 43 anos, teve a vida profissional modificada há dois anos.

Em 21 de dezembro de 2011, nas ruas de Gravataí, na Região Metropolitana, uma série de acontecimentos resultou na morte de um refém, o agricultor Lírio Persch, e do sargento da Brigada Militar (BM) Ariel da Silva.

O sargento foi morto por policiais do Paraná que vieram ao Rio Grande do Sul em missão de resgate dos reféns – Persch e o empresário Osmar Finkler, gaúchos que moravam na cidade de Quatro Pontes (PR). Sem avisar a polícia gaúcha, os paranaenses acabaram sendo confundidos com bandidos e tirotearam com o sargento, que morreu no local.

Ainda naquele dia, os sequestradores foram descobertos e, durante abordagem policial, o delegado Carivali acabou atirando no agricultor.

Na época, ele era delegado regional de Gravataí. Hoje, dirige a Divisão de Transporte e Manutenção, uma mudança radical na vida do policial, que era considerado da linha de frente da corporação. Ontem, durante uma hora e meia, ZH conversou com Carivali, que foi inocentado pela Justiça (veja texto nesta página), sobre a reviravolta que a vida dele deu a partir do episódio. A seguir, confira trechos da entrevista, concedida no seu gabinete, em Porto Alegre:

Zero Hora – O senhor foi inocentado pela segunda vez. Qual é a sensação?

Leonel Fagundes Carivali – Em primeiro lugar, não tenho nada a comemorar. Uma pessoa foi morta, no caso, um refém. Mas estou aliviado, eu e a minha família, que sofreu um grande impacto. Somos quatro policiais na família e logo seremos cinco. Independentemente do resultado da Justiça, eu vou carregar esse fardo pelo resto da vida.

ZH – Como tem sido a sua vida na polícia depois do episódio?

Carivali – Foram dois anos em que vivi a polícia de uma forma diferente. Desde o primeiro momento, pedi para a chefia para sair da função (de delegado regional de Gravataí). Me perguntaram onde queria trabalhar. Eu disse que era na área administrativa, uma coisa completamente diferente do que sempre tinha vivido, como linha de frente da corporação. Fiz opção por entender que era o melhor para todos.

ZH – E a convivência com os colegas?

Carivali – Tentei caminhar, dentro do ambiente policial, de uma forma digna. Tem muitos jovens entrando na polícia, e nós, velhos, somos uma referência. E, quando estamos passando por uma coisa pesada, como esse episódio, temos que ter consciência de que os jovens estão olhando para o que estamos fazendo.

ZH – O que significa “pesado”?

Carivali – É a lembrança recorrente do episódio. E a tentativa de assimilar aquilo que não se consegue mais mudar.

ZH – Examinando tudo que aconteceu naquele momento, qual é a sua conclusão?

Carivali – Foi uma fatalidade, um tipo de coisa que está presente na vida de todo policial. Ela pode acontecer a qualquer momento. Durante esse tempo, colegas vieram até mim contar situações semelhantes em que se envolveram.

ZH – Em algum momento, o senhor se sentiu protegido ou hostilizado pela corporação Polícia Civil?

Carivali – Não vivi esses dois extremos. No episódio, a Corregedoria de Polícia fez o seu papel, o Ministério Público, o dele, e a Justiça, o dela.

ZH – Qual foi o impacto na vida pessoal?

Carivali – Foi um aprendizado a duras penas. Além de delegado, sou professor universitário há 15 anos. Durante muitos anos, ensinei sobre inquéritos policiais. De uma hora para outra, saiu o delegado e professor da frente deles (alunos), e entrou o réu. Eles estavam muito interessados em questionar a situação. Eu os deixei à vontade para perguntar. Logicamente que não aprofundei a conversa em algumas questões, por envolver outras pessoas. Foi uma situação interessante.

ZH – E como foi em casa?

Carivali – A gente se fechou para viver aquele momento juntos. Mas sempre tive muito respeito das pessoas que convivem com a família.

ZH – Tomou a iniciativa de entrar em contato com a família do agricultor Lírio Persch?

Carivali – Pensei muitas vezes em entrar em contato com a família dele. Tenho certeza de que sofrem muito. Mas achei que não era o momento de tomar essa iniciativa por conta do andamento do processo. Acredito que, no futuro, o meu encontro com eles será inevitável, porque já tenho tomada essa decisão.

ZH – O que espera para o seu futuro?

Carivali – A vida seguirá seu curso. Na vida policial, a gente sempre está com um pé no heroísmo, outro na tragédia. O ideal é que não se viva querendo ser herói e se saiba evitar a tragédia.

ZH – Nos próximos anos, o senhor poderá vir a enfrentar uma situação semelhante à que aconteceu em 2011. Qual a influência que terá sobre a sua decisão?

Carivali – Eu espero que tudo o que aconteceu tenha me tornando uma pessoa, um profissional melhor.


O caso na Justiça


Pela morte do refém, o delegado Leonel Carivali respondeu a um processo por dolo eventual (quando se pressupõe que o acusado assumiu o risco de matar). Em agosto, ele foi considerado inocente, mas o Ministério Público Estadual (MPE) recorreu ao Tribunal de Justiça (TJ), que, em 17 de dezembro, o considerou inocente pela segunda vez.

A reportagem de Zero Hora consultou o procurador de Justiça Renoir da Silva Cunha, que atuou no processo. Ele afirmou não ter intenção de recorrer da decisão, mas poderá rever a decisão caso o promotor que originou a ação resolva recorrer. Procurada, a família da vítima afirmou à reportagem de ZH que não tem interesse em comentar o assunto.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Infelizmente, dramas como este fazem parte da vida policial. No tempo da ativa, tivemos que tratar um policial que queria se suicidar, tal era o seu drama diante de uma bala perdida que matou dentro de casa uma pessoa. Existem vários outros casos, como aquele policial de elite do Rio que atirou numa pessoa portando uma furadeira, por acreditar que era uma metralhadora. Não é fácil agir de inopino, numa situação de extremo perigo e decidir com rapidez quando vidas estão em jogo. Não é a toa que a atividade policial é a mais estressante do mundo, e por este motivo deveria ser bem mais valorizada, adestrada, capacitada e reconhecida como atividade técnica e de dedicação exclusiva pública. Para atingir um alto grau de eficiência na atividade preventiva e ostensiva da segurança pública, o Estado precisa integrar esta atividade ao sistema de justiça criminal e investir pesado no potencial humano onde são essenciais um perfil comunitário, formação adequada (mínima de dois anos), uma boa saúde mental, segurança financeira, preparo físico, adestramento permanente, avaliação periódica e capacitação técnica e psicológica com bom aporte de recursos e  tecnologia para combater o poder do crime e inibir as causas de erros.

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