Policiais são condenados por lavagem de dinheiro a mais de 16 anos de prisão. O grupo de inspetores conhecidos como “Inhos” recebia dinheiro para não reprimir contravenção
Antonio Werneck
O GLOBO 19/07/12 - 9h46
RIO - Seis anos depois de a Polícia Federal deflagrar no Rio a Operação Gladiador, levando à prisão contraventores e um grupo de policiais acusado de receber dinheiro para não reprimir a ação da máfia dos caça-níqueis, comandada por Fernando Iggnácio de Miranda e Rogério Costa de Andrade e Silva, a Justiça Federal condenou, por lavagem de dinheiro e ocultação de bens, três ex-inspetores da Polícia Civil e dez parentes deles. Um dos condenados, a cinco anos, quatro meses e 24 dias de reclusão em regime semiaberto, além de multa e perda do cargo, é o ex-policial civil Jorge Luis Fernandes, o Jorginho.
Ele integrava o grupo dos “inhos” — como ficou conhecido um núcleo formado por mais dois inspetores, Fábio Menezes de Leão, o Fabinho, e Hélio Machado da Conceição, o Helinho —, que, segundo a PF, teria como chefe o ex-delegado e ex-deputado estadual Álvaro Lins, que na época da Operação Gladiador era chefe de Polícia Civil. Apesar das provas produzidas pela Polícia Federal indicarem a suposta participação de Jorginho numa quadrilha de contraventores acusada de contrabando e corrupção, ele foi o único do grupo dos “inhos” absolvido num julgamento em 2010.
A sentença que condenou Jorginho é assinada pela juíza Karla Nanci Grando, da 4ª Vara Federal do Rio e foi tomada em abril deste ano, mas somente agora o segredo de Justiça foi suspenso e seu conteúdo, divulgado no site da Justiça Federal do Rio. Além de Jorginho, foram condenados, também por lavagem de dinheiro e ocultação de bens, os outros “inhos”: os ex-inspetores Fabinho (a seis anos de reclusão e 133 dias/multa no valor de um salário mínimo) e Helinho (a cinco anos e três meses de prisão). Todos, incluindo os dez parentes dos ex-policiais, podem recorrer da decisão em liberdade. A Justiça também mandou confiscar 19 imóveis comprados pelos acusados e registrados em nome de terceiros.
No curso do processo, descobriu-se que o grupo dos “inhos” usou parentes como “laranjas” para comprar imóveis e veículos. Na época da Operação Gladiador, um inspetor da Polícia Civil recebia cerca de R$ 2 mil. As investigações da PF comprovaram que os acusados tinham patrimônio incompatível com os vencimentos. Jorginho, por exemplo, de acordo com o Ministério Público Federal, colocou pelo menos dois imóveis, dos vários que comprou, no nome da ex-sogra.
A quadrilha de contraventores à qual os “inhos” dariam apoio tinha, na verdade, três grupos que lutavam entre si pelo controle dos pontos de exploração do jogo. A disputa envolvia, além de Fernando Iggnácio e Rogério de Andrade, o ex-policial federal Paulo César Ferreira do Nascimento, o Paulo Padilha. Os “inhos” colaboravam com Rogério. Segundo a denúncia apresentada pelos procuradores federais, Jorginho, por exemplo, agiria de modo a facilitar o retardamento ou a paralisação de investigações polciais sobre crimes cometidos pela quadrilha, assim como para desencadear operações contra o grupo rival comandado por Fernando Iggnácio.
Num dos grampos telefônicos feitos pela PF e reproduzido na sentença, Fabinho conversa com Alexandre Sérgio Alves Vieira, o Tande, então assessor de Álvaro Lins na Alerj. O diálogo é sobre uma fotografia em que Jorginho e Helinho aparecem numa foto feita durante a prisão de Iggnácio, na Barra da Tijuca.
— Sabe aquela prisão que eu te falei? (a de Iggnácio) — pergunta Fabinho. — Tá todo mundo com ódio mortal dele (Helinho).
— Ódio mortal, por quê? — pergunta Tande. — Ele só tirou aquela foto, cara.
— Positivo, que saiu na foto. E tu sabe porque que ele fez isso, né?
— Pra... pra tirar onda? — pergunta Tande.
— Tirar onda, filho? A conta bancária dele (Helinho) engordou uns trezentinhos (R$ 300 mil), filho. Só por causa daquela foto (...) O nosso amigo lá (Jorginho), acho que a conta engordou um pontinho (R$1 milhão), filho, um pontinho. Três zerinhos. Só naquilo ali, cara. No alemão, no inimigo (Fernando Iggnácio).
Em 2010, a 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região (Rio e Espírito Santo) determinou a prisão de Fernando Iggnácio e Rogério Andrade. Os dois, no entanto, recorreram ao Supremo Tribunal Federal e conseguiram o relaxamento da ordem de prisão.
Saiba mais sobre a disputa
A guerra entre Rogério de Andrade e Fernando Iggnácio Miranda começou numa disputa familiar, após morte do bicheiro Castor de Andrade, vítima de um enfarte em 11 de abril de 1997. Castor teria escolhido o sobrinho Rogério para comandar o jogo do bicho na Zona Oeste e em outras regiões do estado. Inconformado com a decisão, Paulo Roberto Andrade, filho de Castor, começou uma guerra contra Rogério pelo controle da contravenção na região.
A guerra entre os primos recrudesceu em 1998, quando Paulo Andrade e um segurança foram assassinados na Barra da Tijuca. Meses depois, a polícia identificou como autor dos disparos e prendeu o ex-PM Jadir Simeone Duarte. Em depoimento, Duarte acusou Rogério de ser o mandante do crime.
Com a morte de Paulo, seu cunhado, Fernando Iggnácio, assumiu seu lugar na disputa. De acordo com investigações da polícia, desde a metade da década de 1990, Fernando Iggnácio controlaria a Adult Fifty, empresa que explorava caça-níqueis em toda a Zona Oeste.
Em 1998, Rogério de Andrade teria fundado a Oeste Rio. Com a queda nos lucros do jogo do bicho, a cobiça pelo mercado de caça-níqueis aumentou e os dois entraram em guerra em 2001.
No mesmo ano, a polícia deu início a uma operação para apreender caça-níqueis no estado. Os inimigos entraram em guerra e passaram a atacar as máquinas uns dos outros. Dos ataques passaram a assassinatos. Segundo a polícia, ao longo de nove anos, o conflito provocou pelo menos 50 mortes.
O próprio Rogério foi vítima de uma tentativa de assassinato em 2001. Em abril deste ano, outro golpe. O filho de Rogério de Andrade, um jovem de 17 anos, morreu num atentado na Barra. Em vez do pai, era o rapaz que dirigia o carro quando uma bomba explodiu.
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
quinta-feira, 19 de julho de 2012
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