Crise na Polícia Federal multiplica o gasto com diárias em detrimento da eficiência
SINPEF/RS - Postado em 16/09/2013.
Os recentes protestos perpetrados por policiais federais, sendo o mais recente em diversas delegacias da PF em todo o país neste dia 7 de agosto, onde Agentes, Escrivães e Papiloscopistas de Polícia Federal realizaram manifestação com um bolo, marcando um ano do início da maior greve já realizada pelos policiais federais e o descaso com que a categoria vem sendo tratada desde então, juntamente com as manifestações ocorridas emBrasília, no dia 16 de julho, no Rio de Janeiro, durante a visita do Papa Francisco no dia 23, e, nas últimas semanas, em todo país, inclusive no Rio Grande do Sul, são apenas os sintomas mais visíveis de uma Polícia Federal doente, corroída por conflitos internos e abandonada pelo governo federal e pela própria direção geral.
A Polícia Federal é composta por cinco cargos policiais, sendo eles Agentes, Escrivães, Papiloscopistas, Peritos e Delegados. Para todos estes cargos é obrigatória a formação superior, além da aprovação em concurso público.
Desde o ano de 1996, para ingresso nos cargos de Escrivães, Papiloscopistas e Agentes (é utilizada nos fóruns de discussão a sigla “EPA´s” para referir especificamente a estes três cargos) é exigido o nível superior concluído. No entanto, a legislação que trata das atribuições destes cargos (qualquer cargo público deve, obrigatoriamente, ter suas atribuições previstas em lei) não foi atualizada quando da alteração da escolaridade mínima exigida. Assim, há quase vinte anos que pessoas são aprovadas em concurso público e ocupam as vagas destinadas a estes cargos, com formação nas mais variadas áreas do conhecimento (Existem EPA´s médicos, bacharéis em direito, física, medicina veterinária, administração, contabilidade, geologia, todas as engenharias, comércio exterior e muitas outras formações) sem, contudo, existirem atribuições para os cargos adequadas a este perfil.
A questão das atribuições pareceria singela, se não trouxesse em contrapartida um grande problema: Em todo o serviço público, a classificação como nível médio ou superior leva em conta, além da escolaridade mínima exigida para investidura, as particularidades e atribuições do cargo a ser exercido, estando reservadas aos cargos de nível superior aquelas atribuições mais complexas e com maior grau de autonomia e responsabilidade. Desde o início do ingresso de pessoas com nível superior nos cargos de EPA´s, a Polícia Federal teve um ganho de qualidade muito grande no exercício de suas funções, justamente em função do quadro multidisciplinar que compõe seu efetivo de investigação, o que levou a PF a ser por vários anos seguidos reconhecida como uma das instituições mais confiáveis do Brasil, em pesquisas realizadas em todo o território nacional.
Os Agentes, Escrivães e Papiloscopistas representam em torno de 80% do efetivo da Polícia Federal, sendo que estes cargos são os responsáveis pela realização da maior parte das ações da PF que realmente trazem retorno à segurança pública, como investigações, apreensões de drogas, armas, fiscalização de aeroportos, etc. O restante do efetivo de policiais da PF é composto por ocupantes dos cargos de Delegado e Perito.
A principal reivindicação dos EPA´s é o reconhecimento das funções de nível superior que atualmente já são desempenhadas por estes servidores, mesmo que formalmente ainda não constem na legislação pertinente ou que estejam como pertencentes aos cargos de Delegado e/ou Perito. Estas funções, tais como a análise de escutas telefônicas, investigação em local de crime, produção de provas para instrução do inquérito policial, são as principais dentro da atuação da PF, sendo justamente no correto exercício destas funções que a PF conseguiu destacar-se no combate à corrupção e ao tráfico de drogas.
No entanto, por conta de interesses corporativistas, manejados principalmente pelos órgãos representantes dos Delegados de Polícia e dos Peritos (ADPF – Associação dos Delegados de Polícia Federal e APCF –Associação dos Peritos Federais), esta negociação com o governo pelo reconhecimento das atribuições já dura mais de quatro anos, sem que se tenha ainda qualquer expectativa de solução, uma vez que tais entidades de classe são refratárias ao reconhecimento das atribuições que realmente são realizadas pelo EPA´s, posto entenderem que tal reconhecimento enfraqueceria os respectivos cargos de seus associados. A simples oposição destas associações não seria um óbice tão importante não fosse um pequeno “detalhe”: Toda a direção do DPF, incluindo-se ai todos os cargos de direção, tanto a nível estadual como federal, é formada por Delegados de Polícia Federal e Peritos, de modo que, internamente, também há uma imensa resistência ao reconhecimento das atribuições dos EPA´s como de nível superior, utilizando-se para isto, inclusive, a própria estrutura do DPF.
No ano passado, após mais de 900 dias de negociação sem sucesso com o governo federal, os Escrivães, Papiloscopistas e Agentes realizaram uma greve de mais de 70 dias, onde o pleito principal era justamente a reestruturação dos cargos da Polícia Federal, com o reconhecimento das atribuições de nível superior exercidas por estes policiais. Embora não tenham sido atendidos em nenhum pleito, a greve foi encerrada com a promessa do Ministro da Justiça de que seriam retomadas as negociações. Como continuariam em negociação com o governo, os EPA´s recusaram a proposta padrão do governo para todo o funcionalismo de 15% de reajuste em três anos,pois o que se estava buscando era uma reestruturação das funções e não um mero reajuste. Os Delegados e Peritos, como não fizeram greve e não tinham nenhuma outra pretensão salarial, aceitaram os 15%, sendo que para a classe inicial destes cargos foi dado um reajuste diferenciado de 26%.
Ao fim da greve, mesmo com a promessa do Ministério da Justiça de que não haveria perseguições aos grevistas, foi iniciada uma caça às bruxas dentro da PF, com dezenas de procedimentos disciplinares abertos, numa proporção jamais vista e com os mais variados motivos, numa clara retaliação e tentativa de intimidação dos policiais orquestrada pela direção da PF e, quem sabe, do próprio governo. O resultado disto foi devastador para o ânimo e a saúde dos policiais, com um aumento sem precedentes do número de afastamento de policiais por problemas de saúde, principalmente por depressão.
Como as atribuições que historicamente são realizadas por EPA´s não estão regulamentadas ou reconhecidas, ao final da greve, foi elaborada pelos sindicatos e pela FENAPEF (Federação Nacional dos Policiais Federais – entidade representante dos Escrivães, Papiloscopistas e Agentes da Polícia Federal) uma cartilha de procedimentos a serem adotados pelos EPA´s, onde somente seriam executadas aquelas atribuições as quais já estavam previstas para estes cargos, deixando assim de realizar todas as demais tarefas que historicamente eram realizadas, gerando assim uma paralisia quase total na PF, com uma queda em todos os indicadores de eficiência existentes (número de presos, número de operações, apreensão de drogas e etc.).
Pressionado pela queda astronômica de produtividade da PF, com reflexo em todas as estatísticas, o Diretor Geral encaminhou no início deste ano uma proposta de reestruturação para os cargos da Polícia federal que se aproximava muito daquilo que era pleiteado pelos EPA´s, o que reacendeu a esperança de um final para a batalha. Ledo engano. Contrariados por entender que os cargos de Delegado e Perito teriam perdido atribuições e “prestígio” com a nova distribuição das atribuições, as entidades representantes destes cargos iniciaram uma campanha interna, de bastidores, para modificar estas atribuições, adequando-as aos seus interesses, notadamente reservando para os cargos de Delegado e Perito toda e qualquer chefia ou responsabilidade de setor e retirando, em contrapartida, inúmeras conquistas que a proposta original previa, notadamente, aquelas que conferiam aos Agentes, Escrivães e Papiloscopistas uma maior autonomia no exercício de suas funções e a possibilidade de atuar na direção e/ou coordenação de setores ou equipes. Aqui é importante lembrar que mesmo a primeira proposta apresentada pelo Diretor Geral, e entendida como razoável, absolutamente todas as atribuições que foram relacionadas aos cargos dos EPA´s são aquelas que sempre foram realizadas diariamente por estes, ou seja, não foi concedida nenhuma atribuição nova a estes cargos e nem retirada prerrogativa de outros.
Com o encaminhamento da proposta de atribuições pelo Diretor Geral da PF, o Ministro da Justiça comprometeu-se, pessoalmente, a dar andamento à mesma, tendo inclusive declarado que serviria como mediador de qualquer impasse que houvesse no tocante à reestruturação dos cargos da PF e que o critério que utilizaria para resolver eventual impasse seria o interesse público. Pena que isto nunca passou de uma promessa. Por conta desta pressão exercida por Delegados e Peritos, por duas vezes, o Ministro da Justiça deixou de cumprir prazos que ele mesmo havia determinado para um posicionamento sobre a proposta de atribuições, utilizando-se para tal das mais diversas justificativas. Para tornar as coisas ainda mais confusas, o próprio Diretor Geral, nas duas ocasiões onde o MJ deveria ter se manifestado sobre as atribuições, seguramente em uma ação previamente combinada, enviou novas propostas de atribuições, já adaptadas para atender a todos os anseios de Delegados e Peritos, reduzindo drasticamente a autonomia que ele mesmo havia entendido como correta aos cargos de EPA´s. Com o envio destas propostas posteriores, a própria direção geral da PF tumultuou toda a negociação, pois ao final do prazo que foi solicitado para análise da primeira proposta, foi encaminhada uma nova, forçando toda a negociação a retornar praticamente à estaca zero. Obviamente este artifício utilizado pela direção geral serviu para deixar ainda mais descontentes os Escrivães, Papiloscopistas e Agentes, que se viram traídos por quem deveria os estar defendendo.
Paralelo às manobras de bastidores que tem por objetivo estagnar e inviabilizar uma reestruturação da FP nos moldes pleiteados pelos EPA´s, a Direção Geral da PF começou a utilizar-se, desde a deflagração da greve no ano passado, dos mais diversos expedientes para mascarar a paralisia que se abateu sobre o órgão com o cumprimento pelos EPA´s da legalidade. Como os Escrivães, Papiloscopistas e Agentes passaram, em cumprimento à estrita legalidade, a não mais exercer aquelas funções que historicamente sempre exerceram e que a Direção Geral e o MJ insistem em não reconhecer, o DPF passou a usar do subterfúgio de mandar os policiais trabalharem em locais diferentes de sua lotação, com viagens a serviço custeadas com diárias. Este expediente funciona de duas formas: primeiro, como o policial está trabalhando em uma ordem de missão definida, longe de sua delegacia, fica mais vulnerável ao assédio e ameaças de procedimentos disciplinares pelo não descumprimento daquelas tarefas que o responsável pela operação, geralmente um delegado, entender que devam ser executadas pelo mesmo; segundo, justamente pelo achatamento salarial decorrente de seis anos sem reajuste, muitos policiais acabam abrindo mão da cartilha da legalidade, e continuam exercendo atribuições que por lei não são suas, simplesmente pelo ganho financeiro que advém do valor recebido em diárias, descontadas as despesas da viagem.
Por conta da utilização maciça da diária como instrumento de boicote ao cumprimento da cartilha da legalidade, o valor gasto pelo DPF em diárias atingiu nos últimos três anos, de acordo com informações do Portal da Transparência, a astronômica cifra de R$ 280.000.000,00 (sendo computados no ano de 2013 somente os gastos no primeiro semestre), de forma que a projeção é que até o final deste ano se ultrapasse com folga R$ 330 milhões de Reais!
Resumidamente, o DPF está gastando mais com diárias, apenas para sustentar a imagem de que está trabalhando normalmente durante toda esta crise. Mas não está, muito pelo contrário, todos os indicadores de desempenho utilizados para medir a eficiência do DPF apontam uma queda acentuada nos anos de 2012 e 2013, o que levou a Direção Geral a uma nova manobra de maquiagem, como denuncia a Fenapef, criando novas fórmulas para avaliação da produtividade, de forma a omitir nos relatórios a real situação da PF. A realidade institucional da PF é mostrada na pesquisa realizada pela Fenapef sobre a saúde, motivação e realização pessoal dos EPA´s no mês de julho deste ano. Nesta pesquisa, por exemplo, é mostrado que apenas 13% dos Escrivães, Papiloscopistas e Agentes se sente feliz trabalhando na PF, mas de 90% acreditam que estão subaproveitados na PF e mais de 68% dos entrevistados afirmaram que deixariam os quadros da PF para trabalhar em outro órgão com mesmo salário e regime jurídico. Recente matéria publicada na Revista IstoÉ mostra uma onda assustadora de suicídios de policiais federais – nos últimos dez anos, 22 agentes da Polícia Federal cometeram suicídio, sendo que 11 deles aconteceram entre março de 2012 e março deste ano: quase um morto por mês. Este quadro alarmante é fruto do descaso com tem sido tratada a negociação para a reestruturação dos cargos da PF, do ambiente conturbado que se formou nas delegacias com o claro boicote às pretensões dos EPA´s por delegados, peritos, suas respectivas entidades representantes e pela Direção Geral, assim como pela política despótica adotada no pós-greve de perseguições, ameaças e abertura de um número de procedimentos disciplinares contra servidores sem precedentes na história do DPF, numa indisfarçada retaliação pelos pleitos e manifestações que caracterizaram a greve. Neste sentido, enquanto fica cada vez mais evidente nos protestos populares o clamor da população pelo fim da impunidade e pela apuração rigorosa de crimes, em especial aqueles referentes a desvio de dinheiro público, como corrupção e lavagem de dinheiro, uma das instituições mais respeitadas e capacitadas para atuar nestas e em tantas outras áreas, encontra-se em uma situação de abandono, afundada na burocracia e no desânimo de seus principais operadores.
Por conta de todo este quadro, é iminente em todas as unidades da Polícia Federal a ebulição de novos movimentos de protestos, incluindo-se ai greves, paralisações e eventos, de modo a chamar a atenção da sociedade e do governo para o descaso com que tem sido tratada a Polícia Federal, o excesso de burocracia que amarra o órgão e para a política de segregação e perseguição à qual têm sido submetidos os Agentes, Escrivães e Papiloscopistas pelos gestores do DPF. Estas manifestações somente não têm sido mais incisivas por conta de um pedido formal do Ministério da Justiça de que o DPF não parasse durante os grandes eventos, tendo em conta a repercussão pública negativa internacional que poderia gerar. Mesmo insatisfeitos, os EPA´s deram, mais uma vez, um voto de confiança ao governo e dedicaram-se com patriotismo e o profissionalismo de sempre às tarefas principais do DPF nestes eventos, que são a segurança de aeroportos e fronteiras, assim como de chefes de estado ou chefes de governo estrangeiros no território do Brasil, tendo sido a mais visível a segurança do Papa Francisco, durante a Jornada Mundial da Juventude, em todo o tempo em que o pontífice permaneceu no território brasileiro.
Paralelamente à discussão sobre a reestruturação dos cargos da PF, a Fenapef e seus representados também estão patrocinando uma discussão sobre modernização de toda a legislação penal brasileira, que é ultrapassada, ineficiente e favorece a impunidade. Como principal ponto questionado encontra-se a utilização no Brasil do inquérito policial para investigação de crimes, procedimento que não é utilizado em nenhum país desenvolvido e é caracterizado por um excesso de burocracia e pela centralização formal das atividades na figura do delegado de polícia. Conforme estatísticas recentes, apenas 8% dos inquéritos instaurados no Brasil termina em condenações na justiça, o que por si só demonstra a total falência deste sistema de investigações.
Enfim, apesar da Polícia Federal ser considerada uma referência no combate à corrupção e representar uma categoria cada vez mais imprescindível para a sociedade, os bastidores da instituição revelam a inércia e a inabilidade de seus interlocutores (Ministro da Justiça, Diretor Geral e Secretário das Relações do Trabalho do MPOG). Mais do que nunca, necessária se faz a mobilização da categoria policial federal para fazer frente a esses controles burocráticos injustificáveis, ao descaso e à inoperância governamental. Mais do que nunca, S.O.S. POLÍCIA FEDERAL!
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