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Polícias oferecem dicas polêmicas de segurança. Recomendações como sempre ter um dinheiro extra para não irritar os criminosos são comuns
O GLOBO
Atualizado:22/03/13 - 8h00
RIO — Depois de retirar de seu site oficial as inusitadas dicas de segurança que incluíam até mesmo um treinamento para que sequestrados fugissem de porta-malas de carros e orientavam o cidadão carregar sempre uma quantia extra no bolso para não irritar os ladrões em caso de assalto, pode-se constatar que a Polícia Militar da Bahia não está isolada. Em outros estados, órgãos semelhantes fazem recomendações surpreendentes que, combinadas, podem deixar a população em estado de permanente paranoia.
O site da Polícia Civil de Minas Gerais recomenda aos cidadãos não entrarem em elevadores com pessoas estranhas ou suspeitas, e reforça: “Caso seja necessário, diga algo como: Puxa, esqueci a minha chave!”. Dicas adiante, a organização sugere a utilização de motéis para encontros íntimos. “Não use local isolado para encontros amorosos, pois este é um comportamento de risco. Tem locais mais apropriados e com segurança”.
A PM de Sergipe reforça a proposta baiana de ter à mão o “dinheiro do criminoso” e, nas orientações para a segurança do veículo, traz uma dica pouco reveladora: “As chaves reservas devem ser guardadas dentro de casa, nunca no interior do veículo”. No entanto, uma seção que oferece “conselhos para evitar vigaristas” traz as dicas mais surpreendentes.
O segundo item da listagem sergipana diz: “Cuidado com benzedeiras, rezas e despachos. Denuncie os exploradores da credulidade pública e jamais permita que um deles entre em sua casa”, sem explicar como diferenciar religiosos e golpistas. As seguintes trazem elementos de intolerância religiosa, como “Não acredite em ‘revelações’ e profecias feitas por ciganas que apareçam em sua casa. Elas só desejam se apropriar de seus valores. Chame a polícia”.
Dicas até para a segurança de cães
No site da Polícia Militar do Paraná, é possível encontrar dicas para a segurança canina. Além de recomendar que os cidadãos mantenham cães de guarda permanentemente treinados em suas residências, o órgão oferece informações sobre as táticas mais utilizadas pelos criminosos. A lista diz que é comum oferecerem alimento envenenado aos animais, e lembra que há treinamento específico para a rejeição de comida dada por terceiros.
O documento afirma que, em muitos casos, a simples abertura do portão da residência é suficiente para que animais treinados escapem, deixando livre o caminho para a ação dos ladrões. No entanto, os criminosos têm métodos mais engenhosos para agir. De acordo com a polícia, é comum um dos bandidos “jogar uma cadela no cio para dentro do seu quintal ou usá-la para atrair o cão para fora do seu quintal”, e lembra: “mesmo que se tenha casal de cães, a segurança da casa estará diminuída”.
Especialista condena abordagem repressiva
Para o professor Kant de Lima, do curso de Segurança Pública da UFF, as recomendações dos órgãos de segurança mostram a ineficácia do conceito de polícia preventiva no Brasil.
— O estranhamento acontece porque todos esperam que as polícias ajam na prevenção, para evitar que o crime aconteça. É natural que as dicas partam com mais força das polícias militares, porque elas devem mesmo ser mais repressoras, enquanto as civis devem investigar e apurar, mas isto não acontece. Então, elas aceitam que não podem evitar o crime. Nesse sentido, as dicas acabam tentando preservar a vida da vítima porque, quando a segurança pública for atuar, ela terá como prioridade a punição ao criminoso, ainda que muitas vezes isto custe a vida da vítima — analisa.
Para o pesquisador, há uma clara transferência de responsabilidades no ato de a polícia oferecer dicas para evitar a ocorrência de crimes, com uma ação de inteligência. No entanto, para ele, as cúpulas dos órgãos não analisam os dados desta maneira.
— É claro que há uma transferência de responsabilidades, mas o pensamento repressivo não permite enxergar isso. Então, eles divulgam dicas pós fato, para minimizar o dano em futuras ocorrências — conclui.
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