WANDERLEY SOARES
Um inquérito que Deus não presidiu é considerado perfeito
O governo - aqui de meu tugúrio, no alto de minha torre, sempre alerto que, por governo, leia-se Executivo, Legislativo e Judiciário, incluídos seus leguleios, não necessariamente nesta ordem - tem lá suas idiossincrasias das quais não consegue se afastar, como ocorre, num mesmo plano, com a imprensa em geral, hoje chamada de mídia, sob pena de deixar o governo de ser governo, de deixar a mídia de ser mídia. São poderes que obedecem aos fundamentos e à mesma fatalidade da natureza do escorpião no seu relacionamento com o sapo que lhe deu guarida. Na tragédia de Santa Maria, o governo reagiu como fera ferida. Precisava reagir para sobreviver e a mídia cumpriu e continuará cumprindo o seu papel ao colorir o inferno de 241 mortos e 28 acusados com as tintas da espetaculosidade
Ao longo dos anos - todos nós sabemos que não serão poucos - personagens e atores deste espetáculo assumirão novos perfis. Nomes nunca mencionados passarão ao primeiro plano e aqueles que hoje estão no centro do palco poderão ser esquecidos. Sobre isso, um espectador ilustrado, privilegiado e midiático declarou que o inquérito policial chegou ao fim não só como muito bom, mas tecnicamente perfeito. Ora, caros conselheiros, um delegado que usa óculos na testa na hora das fotos pode ser muito bom, mas daí a chegar à perfeição é coisa que só um temerário poderia afirmar. Com vênia de magistrados que aprendi a admirar, o primeiro homicídio (fratricídio) bíblico ainda é controvertido. E, agora, um inquérito no entorno de 241 mortos, sem Deus a presidir, atingiu a perfeição.
Não é do meu feitio citar a mim mesmo e nisso não vai a hipocrisia da falsa modéstia. Sou um caçador de gestos humanos. Nunca me sentirei bem sendo eu a minha própria caça. Somente alguém no extremo delírio da solidão poderá se olhar no espelho e à luz de sua imagem começar a olhar o mundo. Nunca estou só, pois, num primeiro plano, materializados sempre estão os meus conselheiros encapuzados e me é fácil colocar no papel o que eles pensam melhor do que penso eu. Ainda assim, vou lembrar o que disse há algumas semanas sobre a tragédia que definitivamente marcou a nossa querida Santa Maria. Sob o trauma que ainda nos abate, repito que todos nós estamos gaseados, todos nós armamos aquela tocaia. Preparemo-nos, pois estaremos todos sepultos e todos estaremos no banco dos réus.
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