REVISTA VEJA EDIÇÃO 2407 DE 07/01/2015
Documentos exclusivos mostram que Oficiais da PM do Rio incitaram a pancadaria contra os black blocs nas manifestações de 2013 com mensagens de cunho nazista
Leslie Leitão
Chumbo trocado – Contra o radicalismo dos black blocs, acesso liberado a arsenal da PM (Ricardo Moraes/Reuters)
Os protestos que surpreenderam o Brasil em 2013 ainda estavam começando quando Itália e México jogaram no Estádio do Maracanã, em 16 de junho, pela Copa das Confederações. Um pouco antes da partida, cerca de 500 manifestantes tentavam se aproximar com faixas contra a Copa do Mundo e o aumento da tarifa de ônibus. Não avançaram. Em minutos, o Batalhão de Choque da Polícia Militar os empurrou para longe com uma saraivada de bombas de efeito moral e os encurralou na vizinha Quinta da Boa Vista, o maior parque da cidade, provocando pavor e correria na multidão que passava o domingo em família. A ação foi um prólogo do que viveria o Rio, com protestos violentos e muitos feridos como saldo. No comando da tropa estava o tenente-coronel Fábio Almeida de Souza, hoje com 45 anos — que recebeu do então governador Sérgio Cabral, por e-mail, os cumprimentos pelo “belo trabalho”. Nos meses seguintes, ele seria o líder do intenso combate entre a polícia e os black blocs, a face anônima e mais violenta da agitação. Um conjunto de documentos obtidos por VEJA mostra, porém, que os criminosos mascarados não eram os únicos radicais nas ruas. Do outro lado, na polícia, o grupo do tenente-coronel também acirrava os ânimos, defendendo e praticando a pancadaria indiscriminada.
O coronel Fábio, como é chamado, é o protagonista de milhares de mensagens trocadas entre oficiais da PM num grupo que se comunicava via WhatsApp entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014. Reunidas em 230 páginas de um inquérito da Corregedoria-Geral da PM, elas mostram o tenente-coronel revelando clara admiração pela filosofia do nazismo e deixando nítido que, para ele, o caminho era a agressão pura e simples. Numa das mensagens, quando um major sugere aos colegas o uso de uma técnica de imobilização com um bastão chamado Tonfa, ele reage: “Mata! Assim imobiliza para sempre”. E continua: “Tonfa é o c....! 7.62 (um tipo de fuzil) mata eles tudo”. Em outro trecho, confessa: “Na última manifestação que fui dei de AM640 inferno azul nas costas de um black bobo, no máximo 30 metros!!! Que orgulho!”. O AM640 é um lançador de bomba de gás não letal que, acionado a curta distância, pode até matar. Quando um colega observa “Coronel Fábio pela instauração do Reich”, ele retruca: “Isso”.
No período em que as mensagens foram trocadas, a ação dos black blocs estava no auge, com ataques a prédios públicos e estabelecimentos comerciais, além de incêndios de ônibus. Muito pouco, no entanto, se sabia sobre os baderneiros, e nenhum membro relevante do grupo havia sido preso. Por isso, a PM vivia um forte dilema. Parte da corporação defendia a ideia de que se fosse mais fundo na prisão de arruaceiros e na investigação dos crimes. O coronel Fábio pregava o confronto direto e liberava a seus homens o acesso ao arsenal de armas não letais da PM. Como em 20 de junho de 2013, quando milhares de pessoas foram dispersadas com balas de borracha e bombas de gás ao chegar à sede da prefeitura do Rio. Naquele dia, segundo um oficial de alta patente, uma quantidade avaliada em mais de 1 milhão de reais em equipamentos foi gasta contra os manifestantes. “Era uma chuva de gás indiscriminada. Não tinha controle, e nem era para ter.”
Como a tropa não continha os baderneiros e produzia ainda mais radicalização, o coronel Fábio foi substituído no comando do Batalhão de Choque por outro oficial, o coronel Márcio Rocha, que mandou controlar o uso das armas e intensificar os serviços de inteligência e as prisões. Deslocado para o Batalhão de Operações Especiais (Bope), o coronel Fábio passou a tramar a derrubada do desafeto. Nas mensagens, diz que seu pessoal vai tomar conta da PM em 2015 e instituir um “padrão Alemanha de 1930”. Após uma noite em que levaram cinquenta minutos para atender ao pedido de socorro de uma guarnição atingida por tiros em conflito com traficantes, três de seus apoiadores foram afastados. Dias depois, a portaria do condomínio onde o novo comandante morava sofreu um atentado a tiros. As mensagens a que VEJA teve acesso constam justamente do inquérito que investiga esse ataque. Apesar de conter revelações gravíssimas, o único efeito foi seu afastamento do comando do Bope, em março passado. O que não chegou a ser uma punição, já que o oficial passou a integrar a escolta do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Em novembro, quando Beltrame decidiu trocar toda a cúpula da PM, o coronel Fábio foi reconduzido ao Batalhão de Choque. Enquanto isso, o inquérito com suas mensagens estúpidas hiberna em alguma gaveta da Corregedoria da corporação.
Documentos exclusivos mostram que Oficiais da PM do Rio incitaram a pancadaria contra os black blocs nas manifestações de 2013 com mensagens de cunho nazista
Leslie Leitão
Chumbo trocado – Contra o radicalismo dos black blocs, acesso liberado a arsenal da PM (Ricardo Moraes/Reuters)
Os protestos que surpreenderam o Brasil em 2013 ainda estavam começando quando Itália e México jogaram no Estádio do Maracanã, em 16 de junho, pela Copa das Confederações. Um pouco antes da partida, cerca de 500 manifestantes tentavam se aproximar com faixas contra a Copa do Mundo e o aumento da tarifa de ônibus. Não avançaram. Em minutos, o Batalhão de Choque da Polícia Militar os empurrou para longe com uma saraivada de bombas de efeito moral e os encurralou na vizinha Quinta da Boa Vista, o maior parque da cidade, provocando pavor e correria na multidão que passava o domingo em família. A ação foi um prólogo do que viveria o Rio, com protestos violentos e muitos feridos como saldo. No comando da tropa estava o tenente-coronel Fábio Almeida de Souza, hoje com 45 anos — que recebeu do então governador Sérgio Cabral, por e-mail, os cumprimentos pelo “belo trabalho”. Nos meses seguintes, ele seria o líder do intenso combate entre a polícia e os black blocs, a face anônima e mais violenta da agitação. Um conjunto de documentos obtidos por VEJA mostra, porém, que os criminosos mascarados não eram os únicos radicais nas ruas. Do outro lado, na polícia, o grupo do tenente-coronel também acirrava os ânimos, defendendo e praticando a pancadaria indiscriminada.
O coronel Fábio, como é chamado, é o protagonista de milhares de mensagens trocadas entre oficiais da PM num grupo que se comunicava via WhatsApp entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014. Reunidas em 230 páginas de um inquérito da Corregedoria-Geral da PM, elas mostram o tenente-coronel revelando clara admiração pela filosofia do nazismo e deixando nítido que, para ele, o caminho era a agressão pura e simples. Numa das mensagens, quando um major sugere aos colegas o uso de uma técnica de imobilização com um bastão chamado Tonfa, ele reage: “Mata! Assim imobiliza para sempre”. E continua: “Tonfa é o c....! 7.62 (um tipo de fuzil) mata eles tudo”. Em outro trecho, confessa: “Na última manifestação que fui dei de AM640 inferno azul nas costas de um black bobo, no máximo 30 metros!!! Que orgulho!”. O AM640 é um lançador de bomba de gás não letal que, acionado a curta distância, pode até matar. Quando um colega observa “Coronel Fábio pela instauração do Reich”, ele retruca: “Isso”.
No período em que as mensagens foram trocadas, a ação dos black blocs estava no auge, com ataques a prédios públicos e estabelecimentos comerciais, além de incêndios de ônibus. Muito pouco, no entanto, se sabia sobre os baderneiros, e nenhum membro relevante do grupo havia sido preso. Por isso, a PM vivia um forte dilema. Parte da corporação defendia a ideia de que se fosse mais fundo na prisão de arruaceiros e na investigação dos crimes. O coronel Fábio pregava o confronto direto e liberava a seus homens o acesso ao arsenal de armas não letais da PM. Como em 20 de junho de 2013, quando milhares de pessoas foram dispersadas com balas de borracha e bombas de gás ao chegar à sede da prefeitura do Rio. Naquele dia, segundo um oficial de alta patente, uma quantidade avaliada em mais de 1 milhão de reais em equipamentos foi gasta contra os manifestantes. “Era uma chuva de gás indiscriminada. Não tinha controle, e nem era para ter.”
Como a tropa não continha os baderneiros e produzia ainda mais radicalização, o coronel Fábio foi substituído no comando do Batalhão de Choque por outro oficial, o coronel Márcio Rocha, que mandou controlar o uso das armas e intensificar os serviços de inteligência e as prisões. Deslocado para o Batalhão de Operações Especiais (Bope), o coronel Fábio passou a tramar a derrubada do desafeto. Nas mensagens, diz que seu pessoal vai tomar conta da PM em 2015 e instituir um “padrão Alemanha de 1930”. Após uma noite em que levaram cinquenta minutos para atender ao pedido de socorro de uma guarnição atingida por tiros em conflito com traficantes, três de seus apoiadores foram afastados. Dias depois, a portaria do condomínio onde o novo comandante morava sofreu um atentado a tiros. As mensagens a que VEJA teve acesso constam justamente do inquérito que investiga esse ataque. Apesar de conter revelações gravíssimas, o único efeito foi seu afastamento do comando do Bope, em março passado. O que não chegou a ser uma punição, já que o oficial passou a integrar a escolta do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Em novembro, quando Beltrame decidiu trocar toda a cúpula da PM, o coronel Fábio foi reconduzido ao Batalhão de Choque. Enquanto isso, o inquérito com suas mensagens estúpidas hiberna em alguma gaveta da Corregedoria da corporação.
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