André Caramante — PONTE JORNALISMO 26/06/14
Série histórica sobre letalidade de PMs em SP revela que, após 19 anos, política de segurança pública do Estado só vê aumentar o número de vítimas de confrontos, tanto civis quanto policiais
Policiais militares mataram 10.152 pessoas no estado de São Paulo nos últimos 19 anos (julho de 1995 a abril 2014) – o equivalente à população de uma cidade como a paulista São Luiz do Paraitinga, interior do estado. Levantamento feito pela reportagem da Ponte indica que, em média, 45 pessoas foram mortas por PMs a cada mês no Estado, num cenário em que os policiais também são vítimas – cinco foram assassinados por mês no período.
O mesmo levantamento mostra que a política de segurança pública vigente nestas duas décadas não conseguiu baixar o número de civis mortos por policiais, pelo contrário: se nos cinco primeiros anos a média de mortes por 100 mil habitantes foi de 0,89, nos últimos cinco, chegou a 1,17 – alta de 31,5%, considerando-se as mortes provocadas por PMs ocorridas apenas durante o horário oficial de serviço.
Desde 1995 (quando a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo passou a divulgar dados estatísticos sobre a violência no Estado), foram registradas 8.277 mortes provocadas por PMs durante o trabalho de policiamento e outros 1.875 casos fora do serviço oficial – a maior parte em “bico” (serviço extra-corporação) de segurança particular ou em situações como brigas de trânsito, de bar, entre vizinhos, crimes passionais e etc.
Os dados são provenientes do Setor de Inteligência e da Corregedoria da Polícia Militar, órgãos oficiais da PM. Paradoxalmente, esses dados diferem das estatísticas trimestrais divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública. A diferença observada decorre do fato de os dados divulgados trimestralmente pela secretaria omitirem as mortes cometidas fora do expediente. Com essa imprecisão, a real dimensão sobre os óbitos causados pelos integrantes do braço armado do Estado fica prejudicada, assim como o aperfeiçoamento das técnicas policiais.
Nas informações oficiais divulgadas pela pasta em seu site, os homicídios dolosos cometidos por PMs fora do trabalho acabam na vala comum das estatísticas dos assassinatos cometidos por qualquer cidadão. Como grande parte dessas mortes é cometida com armamento do Estado, muitas vezes em decorrência de questões relacionadas ao “bico”, acaba ignorado e fora do controle da sociedade.
Entre 2008 e 2012, a PM paulista matou 9,5 vezes mais do que todas as polícias dos Estados Unidos juntas durante o trabalho de policiamento.
Pelos dados trimestrais, assassinatos cometidos por PMs, como a série de 12 mortes em quatro horas durante um fim de semana de janeiro deste ano em Campinas (99 km de SP), ficaram de fora das estatísticas sobre a letalidade policial.
As 12 mortes, segundo a Polícia Civil, foram cometidas por cinco PMs fora do horário de trabalho que queriam vingar o assassinato de um policial militar. Oficialmente de folga, ele tentara evitar o roubo de um posto combustível e foi morto pelo ladrão.
5 PMs mortos todos os meses
Outra omissão constatada nas estatísticas divulgadas trimestralmente pela Secretaria da Segurança Pública diz respeito ao total de PMs mortos no Estado de São Paulo. A distorção nesse caso é mais grave.
A pasta se limita a divulgar as mortes durante o trabalho policial – desde 1995, foram 475. Mas a maior parte dos assassinatos de policiais militares em atividade na corporação aconteceu quando eles estavam de folga: foram 684 casos. Ao todo, houve 1.159 mortes de PMs no período, estivessem eles em expediente oficial ou fora dele.
9,5 vezes mais mortes do que todas as polícias dos EUA
Entre 2008 e 2012, a PM paulista matou 9,5 vezes mais do que todas as polícias dos Estados Unidos juntas durante o trabalho de policiamento. É o índice por demografia que escancara essa diferença: enquanto os Estados Unidos registraram 0,63 morte por 100 mil habitantes, em São Paulo o índice foi de 5,87 no período. Lá, a população de 313 milhões viu 2.003 assassinatos por policiais (mortes em “homicídios justificados”, mesmo tipo de registro para o que chamamos de “morte em decorrência policial”), enquanto para 41 milhões de paulistas registraram-se 2.426 mortos.
O índice de São Paulo está mais próximo do México, marcado por uma guerra contra os cartéis do narcotráfico. Em 2011, o país registrou a taxa de 1,37 mortes por 100 mil habitantes, ante 1,13 no Estado mais rico do Brasil, São Paulo.
Outro lado
Procurada desde 3 de junho pela reportagem da Ponte, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo não se manifestou sobre os índices de mortes cometidas por policiais militares no Estado, no trabalho e fora dele.
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, não concedeu entrevista sobre o tema, assim como o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Benedito Roberto Meira.
5 perguntas feitas à SSP de São Paulo que ficaram sem resposta
1) Qual é o posicionamento do secretário da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, sobre o total de mortes cometidas por PMs no Estado entre junho de 1995 e abril de 2014? Ele gostaria de conceder entrevista sobre o tema? Para o secretário, a PM de SP é violenta ou não?
2) Qual é o posicionamento do comandante-geral da PM, coronel Benedito Meira, sobre o total de mortes cometidas por PMs no Estado entre junho de 1995 e abril de 2014? Ele gostaria de conceder uma entrevista sobre o tema? Para o comandante-geral, a PM de SP é violenta ou não?
3) Por qual motivo a SSP não informa em suas estatísticas trimestrais quantas pessoas foram mortas por PMs em homicídios dolosos no trabalho e fora dele?
4) Em quais tópicos estatísticos são incluídos os homicídios dolosos praticados por PMs em serviço e na folga?
5) Para a SSP, a não apresentação desses dados em suas estatísticas trimestrais sobre a letalidade da PM não ficam comprometidas?
http://ponte.org/policiais-de-sp-mataram-10-mil-desde/#ponte #pontejornalismo #ponteorg
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A questão não é se a polícia é violenta ou não, a questão é que vivemos uma verdadeira guerra civil não reconhecida e nem tratada pelos Poderes de Estado, mas que vem sacrificando milhares de vidas, sejam de policiais, de bandidos e de civis inocentes. Os Poderes administrativo, normativo e judicial parecem entorpecidos buscando e promovendo soluções corporativas, pontuais, superficiais, amadoras, políticas e policialescas ao invés de sistêmica e judiciais. Com isto, formam policiais em poucos meses, despreparados, insuficientes, divididos, mal pagos, estressados, discriminados, partidarizados, segregados, atuando sozinhos contra um crime cada vez mais organizado e poderosos em arsenal e finanças, protegido por leis brandas, presídios dominados e justiça leniente e sem compromisso em garantir o direito da população à justiça, à segurança e à paz social.
As forças policiais deveriam estar inseridas num Sistema de Justiça Criminal, já que as forças policiais exercem, na prática, funções essenciais e auxiliares à justiça, mas são tratadas como exércitos da União e dos governadores. Defendo neste sistema (inexistente no Brasil) o controle corregedor das forças policiais por Corregedorias tendo a participação direta do MP e não distanciada e burocratizada como é atualmente. Além disto, as secretarias de segurança deveriam ser extintas passando as forças policiais para as ligações técnica, administrativa e judiciária, com requisitos rigorosos, formação tecnológica de dois anos, avaliações anuais, processo ágeis, exclusão imediata e compromisso de metas para comandos e chefias.
As forças policiais deveriam estar inseridas num Sistema de Justiça Criminal, já que as forças policiais exercem, na prática, funções essenciais e auxiliares à justiça, mas são tratadas como exércitos da União e dos governadores. Defendo neste sistema (inexistente no Brasil) o controle corregedor das forças policiais por Corregedorias tendo a participação direta do MP e não distanciada e burocratizada como é atualmente. Além disto, as secretarias de segurança deveriam ser extintas passando as forças policiais para as ligações técnica, administrativa e judiciária, com requisitos rigorosos, formação tecnológica de dois anos, avaliações anuais, processo ágeis, exclusão imediata e compromisso de metas para comandos e chefias.
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