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segunda-feira, 9 de junho de 2014

GUARDAS MUNICIPAIS COMO POLÍCIA


Projeto de lei prevê atuação das Guardas Municipais como polícia. Texto pode ser aprovado ainda esse mês no plenário do Senado
POR PAULA FERREIRA E EFRÉM RIBEIRO
O GLOBO 09/06/2014 10:00 



RIO E TERESINA - As Guardas Municipais de pelo menos dez capitais, que usam armamento letal, já estão prontas para atuarem oficialmente como polícia. Um projeto de lei que tramita no senado cria o Estatuto Geral das Guardas Municipais, que regulamenta o exercício a nível nacional, e pode ser aprovado ainda esse mês no plenário. O documento, que já teve aprovação da Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJ), prevê a ação dos guardas em medidas de segurança pública, como contenção de conflitos e proteção à vida, e autoriza o uso de armas de fogo, respeitando a lei do desarmamento.

O "poder de polícia", de acordo com o autor do projeto, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), só será instituído de fato a partir da aprovação do Projeto de Emenda Constitucional 534, que altera o artigo 144 da Constituição Federal sobre as instituições de segurança pública. Entretanto, admite que o projeto de lei é um passo crucial:

- Na prática, o poder de polícia acaba acontecendo a partir da instauração desse projeto, mas a garantia constitucional depende de uma emenda. E a regulamentação das Guardas viabiliza a aprovação da PEC.

Em abril desse ano, o deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA) apresentou um requerimento à Câmara solicitando a inclusão da PEC 534 na ordem do dia, mas o pedido ainda não foi votado. A relatora do projeto no senado, Gleisi Hoffmann (PT-PR), explica que, embora ainda não haja aprovação da PEC, o projeto, caso sancionado, já terá validade legal:

- O projeto tira a função meramente patrimonial e amplia isso também na preservação da vida. Na prática isso acontece, só não existe um estatuto legal que permita. De fato, é necessária uma alteração na constituição para ter um poder de polícia efetivo, mas isso não quer dizer que com essa disciplina legal [projeto] já não se possa estender as funções da Guarda.

Embora o poder de polícia das Guardas Municipais não esteja constitucionalmente estabelecido, ele já acontece em diversas capitais do país e é inclusive alvo de polêmica e disputas judiciais. Em Palmas, no Tocantins, o Ministério Público Estadual chegou a entrar com uma ação civil pública contra o município para apurar usurpação de função e abuso de poder por parte da Guarda Metropolitana.

Segundo a ação do MP, os delitos foram cometidos durante a retirada de integrantes do movimento Ocupa Palmas de uma praça da cidade, quando 10 militantes teriam sido agredidos. A medida do MP foi motivada ainda por uma representação do Comando Geral da Polícia Militar, apresentada em 2013, sobre a criação do Grupo Tático Especial da Guarda Metropolitana de Palmas.

- Alguém por ciúme institucional provoca algumas situações para poder impedir o nosso trabalho e essa nova lei vem para ajudar a dirimir essa rixa- declarou um membro da Guarda que não quis se identificar.

A ação do Ministério Público, que alegava que "a criação de guardas municipais ostensivas pode levar em algumas localidades à formação de milícias políticas" e pedia o pagamento de multa de 20 mil reais a cada vez que houvesse atuação em questões de segurança pública, foi indeferida pela justiça.

O especialista em segurança pública, Ignácio Cano, segue na linha contrária ao poder de polícia dado às Guardas Municipais. A opinião é de que a Guarda Municipal deve ter um perfil diferente da Polícia Militar:

- A Guarda é confrontada com menos resistência, num nível de contundência menor. Devemos aumentar o efetivo da polícia e não criar outra força que invada sua competência, uma segunda PM para o município.

Caso o texto entre em vigor, os guardas poderão também conduzir ao delegado pessoas que tenham cometido delitos. A nova legislação concederá uma identidade nacional à instituição, que hoje atende às disposições de cada município. Os profissionais estarão sujeitos a um código de conduta próprio, com plano de cargos e salários e deverá ser instituída a criação de corregedorias e ouvidorias. Serão estabelecidos limites de efetivo de acordo com o tamanho da população de cada cidade e os profissionais deverão passar por treinamento específico.

IMPASSE NO USO DE ARMAMENTO LETAL

Das onze capitais do país que não usam armamento letal nas Guardas Municipais, três pretendem implementar em breve, Campo Grande (MS), Cuiabá (MT) e Maceió (AL), e duas esbarram em questões federais, Recife (PE) e João Pessoa (PB).

A capital pernambucana utilizou armas letais até 2010 quando uma decisão da Polícia Federal, expedida através de um ofício, impediu o emprego desse tipo de instrumento no estado. O comandante da Guarda do Recife revela que a partir da proibição áreas importantes pararam de ser patrulhadas.

- Deixamos de ir a algumas áreas que fazíamos a proteção, por exemplo fiscalização ambiental e escolas em áreas críticas. Já tivemos guarnições recebidas a tiros durante essas operações, sem a arma ficamos expostos- argumenta Marcílio Domingos.

O projeto de lei irá autorizar o uso das armas de fogo em cidades como essa. A nova lei garante o uso de armas de fogo por Guardas Municipais respeitando a lei do desarmamento, ou seja, em capitais ou cidades com mais de 500 mil habitantes o armamento letal é liberado nas guardas, inclusive fora do horário de trabalho. No caso de cidades entre 50 e 500 mil habitantes, as armas de fogo são permitidas apenas no horário de serviço.

Em João Pessoa, as armas letais foram compradas em 2004 mas estão guardadas. De acordo com a assessoria da Secretaria de Segurança Urbana do município, a decisão de utilizar esse arsenal leva em conta questões políticas. Isso porque, a prefeitura possui convênios com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), que, segundo a assessoria, é contra o uso desse tipo de arma pela Guarda Municipal.

Dessa forma, contrariar a postura da Senasp causaria um desconforto nas relações institucionais. Além disso, a assessoria destaca que os Guardas ainda não passaram por treinamento adequado para manusear o armamento. Questionada pelo GLOBO, a Secretária Nacional não emitiu nenhum posicionamento.

Na Bahia, Salvador irá inaugurar o uso de armas letais na Copa do Mundo. O sub-comandante da Guarda, Vagner Santos, afirma que os profissionais já têm experiência necessária para lidar com grandes eventos devido ao carnaval da cidade, que é um dos maiores do mundo. Os guardas darão apoio aos procedimentos municipais, como fiscalização de comércio, além de acompanhar os servidores que irão assegurar o perímetro Fifa em uma ação conjunta com a Polícia Militar os agentes da entidade.

Sobre a ocorrência de protestos durante o evento, o Comandante afirma que o dever de contenção será da PM, mas a Guarda poderá intervir eventualmente, caso haja alguma depredação de patrimônio. Vagner destaca ainda que os manifestantes não correm o risco de sofrer algum tipo de violência por parte dos guardas, sobretudo com uso das armas de fogo:

- Quanto aos protestos não é possível haver abuso, os guardas estão doutrinados a utilizar esse equipamento e ele não é usado em distúrbios civis. As manifestações são de responsabilidade da PM. Se houver o risco a algum bem público atuaremos mas sempre evitando o confronto.As armas utilizadas comumente pelas guardas são pistolas .380 e revólveres de calibre 38 e espingarda calibre 12. O número de processos nas corregedorias das Guardas a respeito do mau uso desse tipo de equipamento costuma ser baixo.

A exemplo disso, a guarda de Porto Alegre neste ano ainda não registrou nenhum inquérito interno sobre isso. Em Florianópolis, desde de 2008 até agora, apenas três casos foram investigados, em um deles o profissional foi punido. O baixo índice também é encontrado em capitais como Vitória e Curitiba.

As capitais São Luís e Belém não entraram na contabilidade. Procuradas pelo GLOBO, a primeira não atendeu aos telefonemas, já no caso da segunda, a assessoria da Guarda não respondeu aos questionamentos.

CAPITAIS SEM GUARDA

Enquanto a maioria das cidades discute a respeito de suas Guardas, quatro capitais brasileiras não possuem o serviço. Em Brasília, Rio Branco, Porto Velho e Teresina a patrulha é feita apenas pela Polícia Militar.

Nesta última, o prefeito argumenta que a criação da força não é prioridade. Aprovada pela Câmara dos Vereadores em 2010, com projeto de autoria do ex-vereador Jacinto Teles, a Guarda Municipal não foi criada em Teresina porque o prefeito, Firmino Filho (PSDB), diz que seu papel não é de segurança pública, mas de segurança patrimonial, que é já realizada por empresas de segurança contratada pela prefeitura.

Firmino Filho diz que se a Guarda Municipal for criada, a Prefeitura de Teresina corre o risco de desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece como limite de 49% os gastos com pessoal em relação à receita fiscal líquida. O prefeito ressaltou que a prioridade é outra:

- O problema de Teresina é de segurança pública e não de segurança patrimonial. Se criássemos a Guarda Municipal iríamos comprometer em muita a folha de pagamento de pessoal. A prioridade é a educação e a saúde, a responsabilidade pela segurança pública, segundo a lei, é do Estado e do Governo Federal- falou Firmino Filho.

A lei aprovada pela Câmara dos Vereadores prevê a realização de concurso público para contratação de 230 guardas municipais e permite que os guardas municipais usem arma de fogo.Nas audiências públicas promovidas pela câmara de vereadores, por conta do aumento da violência, os líderes comunitários têm feito pressão para a criação imediata da Guarda Municipal. A ideia é de que a presença dos guardas coibe a prática de delitos.

O Mapa da Violência 2014 informou que o Piauí registrou um aumento de 72,7% no número de homicídios entre 2002 a 2012, passando de 315 para 544 ao ano. O estudo revelou ainda que em 2001 os homicídios em Teresina foram 169 e em 2011, dez anos depois, passaram para 275, com aumento de 62,7%.

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