CORREIO DO POVO 01/11/2014
Só 39% dos casos de roubo viraram inquérito no Rio Grande do Sul, Percentual leva em consideração este tipo de crime nos últimos oito anos
Hygino Vasconcellos
Em oito anos, 39,80% das ocorrências por roubo no Rio Grande do Sul tiveram inquérito instaurado. O percentual é relacionado ao total de 565 mil registros por este tipo de crime como assalto a pedestre, lotéricas entre outros , entre 2006 e 2013. As informações foram obtidas pelo Correio do Povo através da Lei de Acesso à Informação. A análise dos dados mostra uma grande variação dos índices de um período para outro. Entre 2006 e 2007 o percentual oscilou entre 85% a 76%. No ano seguinte, caiu para 20%, índice que permaneceu até o ano passado.
Para o promotor de Justiça Marcos Reichelt Centeno, da Promotoria do Controle Externo da Atividade Policial, o cenário indica uma brecha na lei – por meio da portaria 164, do Governo – que permitia aos delegados não instaurarem inquérito em determinadas situações, entre elas quando não se tinha autoria conhecida. Antes de começar o procedimento, a ocorrência era encaminhada para o setor de investigação para “colher mais dados”. O problema é que, de acordo com Centeno, muitas vezes o boletim de ocorrência acabava engavetado.
Entretanto, esse caminho alternativo não vale desde 25 de julho de 2011, quando a 4ª Vara da Fazenda Pública do RS anulou vários artigos da portaria, após o Ministério Público entrar com uma Ação Civil Pública declaratória de nulidade de ato normativo.
Cerca de dez meses depois da sentença, em 12 de abril de 2012, o governo publicou a decisão no Diário Oficial, na qual consta a anulação de cinco artigos da portaria. Apesar disso, o processo continua correndo, observa o promotor. “Agora, nós estamos aguardando que a Polícia nos diga se comunicou a todos os delegados do Interior, formalmente, que estes dispositivos não estão mais em vigor.” Centeno diz que o MP é “sensível” com a situação da Polícia Civil, com falta de efetivo, enquanto o número de ocorrências continua crescendo. Ele salienta que não “está se dizendo que a Polícia tem que pegar os seus recursos, que são poucos, e gastar em um fato que não tem a chance de ser apurado”.
Ele considera ser preciso determinar critérios. Os promotores visitam as DPs e sabem que não se tem como exigir investigação de 100% dos fatos. “Nós entendemos que algum critério de prioridade precisa ser estabelecido”, afirma Centeno.
Brecha continua
O diretor da Divisão de Planejamento e Coordenação (Diplanco) da Polícia Civil, delegado Antonio Padilha, reconhece que a prática de enviar a ocorrência ao setor de investigação ao invés de instaurar inquérito ainda é usual. “Teve uma portaria publicada pela chefia de Polícia da época, modificando um pouco a forma de condução dos procedimentos policiais”, disse o delegado. “Naqueles casos em que não há uma autoria definida de imediato, começou-se a instaurar procedimentos preliminares de investigação, para verificação.”
O diretor argumenta que a instauração direta do inquérito ainda não está valendo. De acordo com ele, ficou entendido que a Polícia deveria adotar, como fazem polícias do mundo inteiro, algumas investigações preliminares antes de adotar um procedimento formal de inquérito. Ele cita o furto de um celular que não há testemunhas. “Instaurar inquérito imediatamente depois desse fato seria desperdício”, ressalta Padilha.
Mas como explicar a diferença entre os números? Segundo Padilha, os demais fatos certamente estão no setor de investigação para serem apurados preliminarmente, para que sejam coletados indícios para determinar a instauração do inquérito policial. “Porque, daqui a pouco, está sendo feito uma análise criminal pelo setor de investigação de que os roubos estão ocorrendo nos mesmos locais e dias de semana”, exemplifica.
Para o promotor de Justiça Marcos Centeno, não há base legal para ocorrer isto. “O que eles (policiais) estão fazendo é justamente aquilo que o Judiciário condenou, ou seja, os procedimentos preliminares que não estão previstos na lei”, afirma Centeno. “A única hipótese possível de se verificar se algo procede antes de instaurar inquérito ou termo circunstanciado é no caso de denúncia anônima”, exemplifica.
Não justifica diferença
A vice-presidente da Associação dos Delegados de Polícia (Asdep) do RS, Nadine Tagliari Farias Anflor, entende que a relação direta entre os dados não corresponde à realidade. A policial ressalta que a diferença entre registro de ocorrência e inquérito instaurado pode ser explicada, em parte. “Mas não justifica lacuna tão alta”, reforça Nadine.
O mais comum, acentua ela, é o escrivão errar na hora de registrar a ocorrência, por não se exigir a formação em Direito deste profissional. “Isso é um dever do delegado e é por isso que todas as ocorrências passam pelo titular da DP.” Por exemplo, ao invés de ser colocado furto — quando não há violência —, o escrivão acaba classificando o fato como roubo. Outra explicação é que o reconhecimento de que a brecha na lei continua valendo. “Tem muito delegado que continua não instaurando inquérito”, comenta.
Outro motivo para uma diferença tão grande dos números é a reunião de uma série de ocorrências em um mesmo inquérito, o que é permitido por lei. A mudança no decorrer dos fatos também pode influenciar. Por exemplo, um roubo que se torna latrocínio, devido à morte da vítima. O promotor de Justiça Marcos Centeno considera que as explicações apresentadas pela delegada não esclarecem a grande discrepância entre os registros de ocorrência e os inquéritos instaurados.
Só 39% dos casos de roubo viraram inquérito no Rio Grande do Sul, Percentual leva em consideração este tipo de crime nos últimos oito anos
Hygino Vasconcellos
Em oito anos, 39,80% das ocorrências por roubo no Rio Grande do Sul tiveram inquérito instaurado. O percentual é relacionado ao total de 565 mil registros por este tipo de crime como assalto a pedestre, lotéricas entre outros , entre 2006 e 2013. As informações foram obtidas pelo Correio do Povo através da Lei de Acesso à Informação. A análise dos dados mostra uma grande variação dos índices de um período para outro. Entre 2006 e 2007 o percentual oscilou entre 85% a 76%. No ano seguinte, caiu para 20%, índice que permaneceu até o ano passado.
Para o promotor de Justiça Marcos Reichelt Centeno, da Promotoria do Controle Externo da Atividade Policial, o cenário indica uma brecha na lei – por meio da portaria 164, do Governo – que permitia aos delegados não instaurarem inquérito em determinadas situações, entre elas quando não se tinha autoria conhecida. Antes de começar o procedimento, a ocorrência era encaminhada para o setor de investigação para “colher mais dados”. O problema é que, de acordo com Centeno, muitas vezes o boletim de ocorrência acabava engavetado.
Entretanto, esse caminho alternativo não vale desde 25 de julho de 2011, quando a 4ª Vara da Fazenda Pública do RS anulou vários artigos da portaria, após o Ministério Público entrar com uma Ação Civil Pública declaratória de nulidade de ato normativo.
Cerca de dez meses depois da sentença, em 12 de abril de 2012, o governo publicou a decisão no Diário Oficial, na qual consta a anulação de cinco artigos da portaria. Apesar disso, o processo continua correndo, observa o promotor. “Agora, nós estamos aguardando que a Polícia nos diga se comunicou a todos os delegados do Interior, formalmente, que estes dispositivos não estão mais em vigor.” Centeno diz que o MP é “sensível” com a situação da Polícia Civil, com falta de efetivo, enquanto o número de ocorrências continua crescendo. Ele salienta que não “está se dizendo que a Polícia tem que pegar os seus recursos, que são poucos, e gastar em um fato que não tem a chance de ser apurado”.
Ele considera ser preciso determinar critérios. Os promotores visitam as DPs e sabem que não se tem como exigir investigação de 100% dos fatos. “Nós entendemos que algum critério de prioridade precisa ser estabelecido”, afirma Centeno.
Brecha continua
O diretor da Divisão de Planejamento e Coordenação (Diplanco) da Polícia Civil, delegado Antonio Padilha, reconhece que a prática de enviar a ocorrência ao setor de investigação ao invés de instaurar inquérito ainda é usual. “Teve uma portaria publicada pela chefia de Polícia da época, modificando um pouco a forma de condução dos procedimentos policiais”, disse o delegado. “Naqueles casos em que não há uma autoria definida de imediato, começou-se a instaurar procedimentos preliminares de investigação, para verificação.”
O diretor argumenta que a instauração direta do inquérito ainda não está valendo. De acordo com ele, ficou entendido que a Polícia deveria adotar, como fazem polícias do mundo inteiro, algumas investigações preliminares antes de adotar um procedimento formal de inquérito. Ele cita o furto de um celular que não há testemunhas. “Instaurar inquérito imediatamente depois desse fato seria desperdício”, ressalta Padilha.
Mas como explicar a diferença entre os números? Segundo Padilha, os demais fatos certamente estão no setor de investigação para serem apurados preliminarmente, para que sejam coletados indícios para determinar a instauração do inquérito policial. “Porque, daqui a pouco, está sendo feito uma análise criminal pelo setor de investigação de que os roubos estão ocorrendo nos mesmos locais e dias de semana”, exemplifica.
Para o promotor de Justiça Marcos Centeno, não há base legal para ocorrer isto. “O que eles (policiais) estão fazendo é justamente aquilo que o Judiciário condenou, ou seja, os procedimentos preliminares que não estão previstos na lei”, afirma Centeno. “A única hipótese possível de se verificar se algo procede antes de instaurar inquérito ou termo circunstanciado é no caso de denúncia anônima”, exemplifica.
Não justifica diferença
A vice-presidente da Associação dos Delegados de Polícia (Asdep) do RS, Nadine Tagliari Farias Anflor, entende que a relação direta entre os dados não corresponde à realidade. A policial ressalta que a diferença entre registro de ocorrência e inquérito instaurado pode ser explicada, em parte. “Mas não justifica lacuna tão alta”, reforça Nadine.
O mais comum, acentua ela, é o escrivão errar na hora de registrar a ocorrência, por não se exigir a formação em Direito deste profissional. “Isso é um dever do delegado e é por isso que todas as ocorrências passam pelo titular da DP.” Por exemplo, ao invés de ser colocado furto — quando não há violência —, o escrivão acaba classificando o fato como roubo. Outra explicação é que o reconhecimento de que a brecha na lei continua valendo. “Tem muito delegado que continua não instaurando inquérito”, comenta.
Outro motivo para uma diferença tão grande dos números é a reunião de uma série de ocorrências em um mesmo inquérito, o que é permitido por lei. A mudança no decorrer dos fatos também pode influenciar. Por exemplo, um roubo que se torna latrocínio, devido à morte da vítima. O promotor de Justiça Marcos Centeno considera que as explicações apresentadas pela delegada não esclarecem a grande discrepância entre os registros de ocorrência e os inquéritos instaurados.
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