Para comandante da Brigada, para mudar, só com educação e
trabalho prisional. Para chefe de Polícia, a saída é nomear mais
policiais
ZERO HORA 25/01/2016 - 02h02min
Coronel Alfeu Freitas (E) e o delegado Wondracek dão relatos sobre o que pode ser feito Foto: Montagem / Omar Freitas e Divulgação / Agência RBS
Entrevista com coronel Alfeu Freitas, comandante da Brigada Militar
"O telefone 190 não para de tocar"
Um dos mais experientes policiais gaúchos, o coronel Alfeu Freitas já comandou todos os principais batalhões da BM. Passou por fases em que o contingente de policiais era próximo do ideal e outras, como agora, quando a carência de efetivo é frequente. Nessa entrevista, ele comenta o que pode ser feito.
Já não há hora para acontecer assalto. O sujeito tem uma faca encostada no pescoço às 10h, ao meio-dia, com outras pessoas perto ou não... O que pode explicar isso?
As polícias fazem a parte delas, prendem gente todo dia. E a demanda é cada vez maior. O telefone 190 não para de tocar. Como não temos data para novas nomeações, o comandante de cada guarnição tem de gerenciar os recursos. A viatura só é liberada quando há efetiva missão, mesmo que seja para patrulhar. Tem de checar para evitar trote. E prever efetivo para eventos especiais, como a Operação Verão (patrulhamento do Litoral).
É um problema da lei?
Seria bom que o preso só ganhasse benefício após cumprir pelo menos um terço da pena. Mas a lei não é assim. E de que adianta enrijecer a legislação, encarcerar mais, se não há presídios ou albergues prisionais? Sem prisão, ele é enjaulado, fica por lá um tempo e volta para o crime. Não adianta mudar a lei se não há presídio.
A BM tem efetivo suficiente para enfrentar tanto crime?
Há uma defasagem histórica nas polícias. A BM está agora com cerca de 20 mil integrantes para cumprir todas as missões, bem menos que décadas atrás.
Os PMs fazem tudo o que podem? Algumas pessoas acham que a BM não se mexe o suficiente.
A fila de pessoas que cometem crimes não termina. Por quê? Porque em um presídio como o Central (em Porto Alegre), de 4 mil presos, apenas 500 ou 600 trabalham. Os demais fazem nada ou planejam crimes. Deveria existir pelo menos um presídio por município gaúcho. É muito? Só assim para garantir reeducação e poder cuidar de cada preso, como deve ser feito.
Qual a saída para enfrentar essa onda crescente de criminalidade?
Para mudar, só com educação e trabalho prisional. Mais efetivo policial também seria bom. É provável que a volta para a BM de alguns policiais cedidos ajude. Hoje, temos centenas emprestados a outros órgãos e até a outros poderes. Em alguns casos, como prefeituras e câmaras municipais, não renovei a cedência. Sugiro a volta, mas não tenho poder de exigir, a palavra final é do governador. Mas, veja, muitos desses PMs cedidos fazem atividades ligadas a policiamento: proteção de autoridades e força-tarefa do Ministério Público, por exemplo. Em troca, parte das multas arrecadadas volta em forma de equipamentos para a BM. Nesses casos, o empréstimo do policial é vantajoso para a BM.
Entrevista com o delegado Guilherme Wondracek
"A saída é nomear mais policiais"
O chefe de Polícia, Guilherme Wondracek, é um delegado "linha-de-frente". Esteve no comando da captura dos mais notórios assaltantes de banco do Estado e ajudou a esclarecer desvios de dinheiro público. A experiência o autoriza a comentar a carência de policiais e o liberalismo de leis.
Já não há hora para acontecer assalto. O sujeito tem uma faca encostada no pescoço às 10h, ao meio-dia, com outras pessoas perto ou não... O que pode explicar isso?
Existem cerca de 5,3 mil detentos dos regimes semiaberto e aberto que foram enviados para casa (prisão domiciliar) ou usam tornozeleiras, por falta de vagas nos albergues. É claro que grande parte deles não fica em casa. Sai às ruas e comete crimes. Não há como fiscalizar se eles estão realmente no domicílio, saber onde eles estão.
É um problema da lei?
Prendi um assaltante de bancos, com fuzil checo, há uns três anos. Tinha seis assaltos grandes no currículo. Já está solto, na rua, cometendo crimes. Tem de mudar a lei. O ladrão deveria cumprir dois terços da pena antes de conseguir liberdade condicional. Ou, pelo menos, deveria ser como na Lei dos Crimes Hediondos: exigência de um terço da pena para receber benefício de mudança de regime. Hoje, o assaltante cumpre um sexto da pena e tem direito a ir para o semiaberto (albergue).
A Polícia Civil tem efetivo suficiente para enfrentar tanto crime?
Falta efetivo tanto na BM quanto na Civil. A Civil tinha, em 1980, 27 policiais por delegacia. Hoje, tem nove. A população era de 7,5 milhões em 1980. Hoje, é de 11,5 milhões. Existiam 244 municípios em 1980. Hoje, são 497. Mas o efetivo da Civil é o mesmo: 5,5 mil agentes. Estamos apagando incêndio, focados em crimes graves.
Os agentes fazem tudo o que podem? Algumas pessoas acham que a polícia não se mexe o suficiente.
Não falta esforço dos agentes. O Rio de Janeiro enviou 70 mil inquéritos para a Justiça, em 2014. O RS remeteu 173 mil no mesmo ano, e outros 195 mil em 2015. E o Rio tem 11 mil policiais civis, nós temos 5,5 mil. O Instituto Falconi fez uma análise do trabalho cotidiano da Polícia Civil gaúcha, a pedido do governo. A conclusão é de que precisaríamos de 11,7 mil agentes no plano operacional, na linha de frente. Sem contar os que atuam em telefonia e informática.
Qual a saída para enfrentar essa onda crescente de criminalidade?
A saída é nomear mais policiais. Existem 670 aprovados em concursos para a Polícia Civil. Caso sejam nomeados, em seis meses, terão cursado a Academia e podem ir para as ruas. Substituiriam os 490 aposentados no ano passado. Outra alternativa é parar com as cedências de servidores. A Polícia Civil tem 129 cedidos para outros órgãos. A BM, me informaram, tem 700 cedidos.
ZERO HORA 25/01/2016 - 02h02min
Coronel Alfeu Freitas (E) e o delegado Wondracek dão relatos sobre o que pode ser feito Foto: Montagem / Omar Freitas e Divulgação / Agência RBS
Entrevista com coronel Alfeu Freitas, comandante da Brigada Militar
"O telefone 190 não para de tocar"
Um dos mais experientes policiais gaúchos, o coronel Alfeu Freitas já comandou todos os principais batalhões da BM. Passou por fases em que o contingente de policiais era próximo do ideal e outras, como agora, quando a carência de efetivo é frequente. Nessa entrevista, ele comenta o que pode ser feito.
Já não há hora para acontecer assalto. O sujeito tem uma faca encostada no pescoço às 10h, ao meio-dia, com outras pessoas perto ou não... O que pode explicar isso?
As polícias fazem a parte delas, prendem gente todo dia. E a demanda é cada vez maior. O telefone 190 não para de tocar. Como não temos data para novas nomeações, o comandante de cada guarnição tem de gerenciar os recursos. A viatura só é liberada quando há efetiva missão, mesmo que seja para patrulhar. Tem de checar para evitar trote. E prever efetivo para eventos especiais, como a Operação Verão (patrulhamento do Litoral).
É um problema da lei?
Seria bom que o preso só ganhasse benefício após cumprir pelo menos um terço da pena. Mas a lei não é assim. E de que adianta enrijecer a legislação, encarcerar mais, se não há presídios ou albergues prisionais? Sem prisão, ele é enjaulado, fica por lá um tempo e volta para o crime. Não adianta mudar a lei se não há presídio.
A BM tem efetivo suficiente para enfrentar tanto crime?
Há uma defasagem histórica nas polícias. A BM está agora com cerca de 20 mil integrantes para cumprir todas as missões, bem menos que décadas atrás.
Os PMs fazem tudo o que podem? Algumas pessoas acham que a BM não se mexe o suficiente.
A fila de pessoas que cometem crimes não termina. Por quê? Porque em um presídio como o Central (em Porto Alegre), de 4 mil presos, apenas 500 ou 600 trabalham. Os demais fazem nada ou planejam crimes. Deveria existir pelo menos um presídio por município gaúcho. É muito? Só assim para garantir reeducação e poder cuidar de cada preso, como deve ser feito.
Qual a saída para enfrentar essa onda crescente de criminalidade?
Para mudar, só com educação e trabalho prisional. Mais efetivo policial também seria bom. É provável que a volta para a BM de alguns policiais cedidos ajude. Hoje, temos centenas emprestados a outros órgãos e até a outros poderes. Em alguns casos, como prefeituras e câmaras municipais, não renovei a cedência. Sugiro a volta, mas não tenho poder de exigir, a palavra final é do governador. Mas, veja, muitos desses PMs cedidos fazem atividades ligadas a policiamento: proteção de autoridades e força-tarefa do Ministério Público, por exemplo. Em troca, parte das multas arrecadadas volta em forma de equipamentos para a BM. Nesses casos, o empréstimo do policial é vantajoso para a BM.
Entrevista com o delegado Guilherme Wondracek
"A saída é nomear mais policiais"
O chefe de Polícia, Guilherme Wondracek, é um delegado "linha-de-frente". Esteve no comando da captura dos mais notórios assaltantes de banco do Estado e ajudou a esclarecer desvios de dinheiro público. A experiência o autoriza a comentar a carência de policiais e o liberalismo de leis.
Já não há hora para acontecer assalto. O sujeito tem uma faca encostada no pescoço às 10h, ao meio-dia, com outras pessoas perto ou não... O que pode explicar isso?
Existem cerca de 5,3 mil detentos dos regimes semiaberto e aberto que foram enviados para casa (prisão domiciliar) ou usam tornozeleiras, por falta de vagas nos albergues. É claro que grande parte deles não fica em casa. Sai às ruas e comete crimes. Não há como fiscalizar se eles estão realmente no domicílio, saber onde eles estão.
É um problema da lei?
Prendi um assaltante de bancos, com fuzil checo, há uns três anos. Tinha seis assaltos grandes no currículo. Já está solto, na rua, cometendo crimes. Tem de mudar a lei. O ladrão deveria cumprir dois terços da pena antes de conseguir liberdade condicional. Ou, pelo menos, deveria ser como na Lei dos Crimes Hediondos: exigência de um terço da pena para receber benefício de mudança de regime. Hoje, o assaltante cumpre um sexto da pena e tem direito a ir para o semiaberto (albergue).
A Polícia Civil tem efetivo suficiente para enfrentar tanto crime?
Falta efetivo tanto na BM quanto na Civil. A Civil tinha, em 1980, 27 policiais por delegacia. Hoje, tem nove. A população era de 7,5 milhões em 1980. Hoje, é de 11,5 milhões. Existiam 244 municípios em 1980. Hoje, são 497. Mas o efetivo da Civil é o mesmo: 5,5 mil agentes. Estamos apagando incêndio, focados em crimes graves.
Os agentes fazem tudo o que podem? Algumas pessoas acham que a polícia não se mexe o suficiente.
Não falta esforço dos agentes. O Rio de Janeiro enviou 70 mil inquéritos para a Justiça, em 2014. O RS remeteu 173 mil no mesmo ano, e outros 195 mil em 2015. E o Rio tem 11 mil policiais civis, nós temos 5,5 mil. O Instituto Falconi fez uma análise do trabalho cotidiano da Polícia Civil gaúcha, a pedido do governo. A conclusão é de que precisaríamos de 11,7 mil agentes no plano operacional, na linha de frente. Sem contar os que atuam em telefonia e informática.
Qual a saída para enfrentar essa onda crescente de criminalidade?
A saída é nomear mais policiais. Existem 670 aprovados em concursos para a Polícia Civil. Caso sejam nomeados, em seis meses, terão cursado a Academia e podem ir para as ruas. Substituiriam os 490 aposentados no ano passado. Outra alternativa é parar com as cedências de servidores. A Polícia Civil tem 129 cedidos para outros órgãos. A BM, me informaram, tem 700 cedidos.
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