PMs gaúchos parecem estar com uma síndrome: na dúvida, atiram, quando poderiam tentar um bloqueio de veículo, o uso do megafone, as sirenes, qualquer técnica dissuasória que não uma arma
Por: Humberto Trezzi
ZERO HORA 14/01/2016 - 23h57min
Veículo foi alvejado três vezes Foto: JOSÉ LUIS COSTA / Divulgação
Você, que costuma tomar uns goles por aí e zanzar de carro, cuidado: mais do que multado e ter o carro apreendido, você pode ser morto. É isso que se depreende do lamentável episódio envolvendo o engenheiro Vilmar Mattiello. Ele errou ao passar o sinal fechado diante de uma viatura. E errou de novo ao passar correndo, sem parar, por outros PMs que tentavam detê-lo. Mas era motivo para pagar com sua vida?
Não. O simples fato de uma pessoa evitar a abordagem da polícia não significa que ela é foragida da Justiça ou sequer que é criminosa contumaz. Pode ser apenas um cidadão assustado e com temor de levar uma multa, como parece ser o caso de Mattiello. O problema é que muitos PMs gaúchos parecem estar com uma síndrome do gatilho fácil. Na dúvida, atiram, usando pistolas e espingardas, quando poderiam tentar um bloqueio de veículo, o uso do megafone, as sirenes, qualquer técnica dissuasória que não uma arma, capaz de exterminar uma vida e uma história, instantaneamente.
É um problema histórico. Lembro bem de um episódio em São Leopoldo no qual um tenista foi morto com tiro de espingarda porque, ao ser revistado por um PM, se mexeu. Outro episódio em Passo Fundo em que um motoqueiro morreu ao não parar numa barreira da BM. Fossem criminosos tiroteando com os policiais, o disparo dos PMs estaria plenamente justificado. Não eram. Será mesmo que furar um sinal vermelho ou se mexer durante uma abordagem justifica tiros pelas costas?
Especialistas reprovam abordagem da Brigada Militar que resultou na morte de engenheiro na Capital. "A polícia nunca pode atirar em alguém simplesmente porque a pessoa está fugindo", diz consultor em segurança
Por: Juliano Rodrigues
ZERO HORA 14/01/2016 - 17h47min |
A conduta do soldado que disparou três vezes contra o veículo conduzido pelo engenheiro Vilmar Mattiello, 58 anos, na madrugada desta quinta-feira, é criticada por especialistas em segurança pública consultados por ZH.
Segundo a Brigada Militar, Mattiello teria se recusado a parar em abordagem na Avenida Wenceslau Escobar, na Zona Sul. O engenheiro foi morto com um tiro no tórax. O consultor em segurança José Vicente da Silva diz que o PM errou ao atirar contra o veículo.
— Independente das condições, não se atira em carro que está em fuga. As pessoas dizem: "ah, então deixa fugir?". Sim. É preferível deixar fugir do que atirar e matar um inocente. O policial que está do lado de fora não tem como saber por que o veículo está em fuga. Pode ter um inocente dentro, uma pessoa sequestrada — afirma Vicente.
O consultor, que também é coronel e já comandou batalhões da Polícia Militar, conta que, anos atrás, um soldado e um cabo que estavam sob suas ordens envolveram-se em situação parecida.
— Um rapaz estava em uma motocicleta e fugiu de uma abordagem. Na hora, o soldado atirou e matou ele. Imediatamente, o cabo, que era o mais graduado naquele momento, prendeu o colega em flagrante. Era isso que deveria ter ocorrido — explica.
O tenente-coronel Diógenes Lucca, ex-comandante do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar de São Paulo e especialista em segurança, ressalva que não pode julgar a conduta dos brigadianos que participaram da ocorrência por não dispor de mais detalhes, mas lembra que os protocolos indicam atitudes diferentes das adotadas por eles.
— Quando você persegue um veículo suspeito em fuga, a própria presença da polícia faz o sujeito acelerar mais. Portanto, a perseguição policial é uma prática em desuso. Você tem de tentar acompanhar o veículo sem fustigá-lo e tentar coordenar um cerco para bloqueá-lo.
Lucca reforça que não se deve atirar contra um veículo que fura cerco policial:
— O tiro tem de ter um objetivo determinado, tem de ter endereço certo. Em uma situação de perseguição, é muito arriscado atirar. No limite, é melhor deixar fugir do que colocar pessoas em risco.
Vilmar Mattiello, 58 anos, não resistiu aos ferimentos Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal
Natural de Xaxim, em Santa Catarina, o motorista, Vilmar Mattiello, era sócio da Construtora Epplan, com sede no bairro Azenha, na Capital. De acordo com relato do amigo do engenheiro a PMs, eles haviam bebido e o motorista, dono do carro, não quis parar o veículo.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As forças policiais não podem se descuidar de duas técnicas importantes que necessitam os policiais - prática de tiro defensivo e imobilização pessoal. Aprimoradas estas duas técnica, fortalece a segurança necessária ao policial na hora da decisão de inopino e da ação imediata no enfrentamento de uma situação de crime. São técnicas permanentes e caras que o Estado NÃO coloca à disposição dos policiais e nem avalia a preparação deles. É por casos como este que os policiais precisam de uma formação de excelência, sem atropelos e com avaliações periódicas, especialmente em técnicas de tiro e de imobilização. Uma polícia preparada, eficiente e capacitada é cara, mas é um investimento social vital para o cidadão e para a população, e essencial para a justiça. Não é fácil ser policial onde as decisões são rápidas e envolvem risco de morte, aliadas ao estresse de um guerra diária contra o crime que fomenta erros de interpretação de casos e de decisão de tiro.
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