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domingo, 17 de maio de 2015

SOLDADOS SOLITÁRIOS

ZERO HORA 17 de maio de 2015 | N° 18165

Soldados solitários.
Comunidades convivem com a falta de PMs nas ruas e também com quartéis da Brigada fechados, durante o dia ou à noite, por falta de efetivo

por Marcelo Gonzatto



Falta de colegas preocupa os próprios policiais, que não contam com parceiros para atender as ocorrências Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS


A escassez de efetivo está sujeitando um número crescente de policiais militares a trabalharem sozinhos no Rio Grande do Sul. Em cidades do Interior, há apenas um brigadiano de serviço por turno – o que contraria padrões de segurança operacional, preocupa os próprios policiais e gera insegurança em comunidades inteiras. Nos últimos anos, a vulnerabilidade dos pequenos municípios atraiu assaltantes que atacam bancos utilizando dinamite e armamento pesado.

Na Páscoa, agências de oito localidades do Interior foram atacadas. No feriadão de Tiradentes, outras cinco. Municípios como Campestre da Serra, Minas do Leão e Passo do Sobrado foram alvo de quadrilhas de assalto a banco nas últimas semanas e de contarem com apenas um policial de serviço em pelo menos um turno do dia.


Mas muitas outras cidades vivem situação semelhante. Levantamento inédito da Federação de Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) revela que 78% das 238 prefeituras que responderam a um questionário sobre o tamanho do efetivo da BM não contam com militares suficientes para manter ao menos uma dupla de serviço todo o tempo.

Isso significa que essas cidades ficam com apenas um policial trabalhando em algum turno, ou até sem nenhum PM em determinados horários. Em localidades visitadas por Zero Hora, os postos da BM fecham à noite – e, eventualmente, durante o dia – devido à falta de gente.

Segundo o comando da Brigada Militar, são necessários pelo menos 10 brigadianos em uma cidade para preencher o sistema padrão de quatro turnos de seis horas por dia com uma dupla de policiais. Esse número engloba as oito vagas existentes mais dois militares como reposição para folgas, férias e licenças.

O relatório da Famurs demonstra que apenas um quarto das prefeituras que prestaram informações conta com uma dezena de brigadianos. Os PMs solitários demonstram preocupação com a falta de companhia para abordar suspeitos de forma mais segura e atender eventuais ocorrências.

– Já tive de prender dois homens sozinho. Não é fácil, é uma situação muito perigosa, mas a gente tem de fazer o que é necessário – conta o sargento de uma cidade com cerca de 2 mil habitantes que pede para não ser identificado por receio de receber uma punição administrativa.

O subcomandante da BM, coronel Paulo Stocker, afirma que a corporação tem hoje um efetivo 30% abaixo do previsto – os números exatos não são fornecidos, conforme o oficial, por razão estratégica. Porém, para Stocker, não há necessidade de policiais trabalharem acompanhados em cidades pequenas. Segundo ele, o baixo índice de criminalidade nem mesmo justificaria a presença de um militar em boa parte do Estado.

– Eu, falando como gestor, não como subcomandante, não botaria hoje efetivo em muitas cidades do Interior. Talvez centenas de cidades do Interior não teriam brigadiano. Na minha opinião pessoal, não deixaria nenhum, porque não há necessidade. O índice de criminalidade, a qualidade de vida em matéria de segurança não requer policiamento imediato ali – sustenta Stocker.


Técnica recomenda maior efetivo para abordagens

O secretário-geral da Associação Beneficente Antônio Mendes Filho (Abamf), entidade de classe dos cabos e soldados da BM, Ricardo Agra, afirma que prestar serviço sozinho é, sim, um risco e um atrativo à criminalidade.

– A técnica policial, no mundo inteiro, diz que é perigoso fazer uma abordagem sozinho. O ideal é sempre ter superioridade numérica – afirma Agra.

O consultor em segurança Carlos Alberto Portolan também questiona a atuação solitária nas ruas:

– Em uma abordagem, o certo seria usar três policiais para um suspeito.

Em termos estatísticos, os menores municípios de fato estão longe de fazer frente às grandes cidades em relação à criminalidade. Os 374 municípios com menos de 15 mil habitantes somam 8,5% dos 14 tipos de crime acompanhados com prioridade pela Secretaria de Segurança Pública em todo o Estado (incluem homicídios, latrocínios, furtos e roubos, entre outros). Mas estão longe de ser um paraíso: em 2014, foram cenário de 160 homicídios dolosos, 13 latrocínios, 1,1 mil furtos ou roubos de veículo e quase 20 mil furtos em geral. Entre 2013 e o ano passado, os crimes monitorados aumentaram 4,3% nessas regiões.

– As pequenas cidades estão desassistidas, estamos frágeis. Por isso, muitos assaltos a banco vêm ocorrendo nesses lugares – lamenta o prefeito de Tapejara e presidente da Famurs, Seger Menegaz.


Efetivo nos municípios








Assalto a banco é receio entre PMs que atuam sozinhos



Única soldado para garantir segurança de 3 mil pessoas, Carla evita ficar na corporação e prefere circular pelas ruas (Foto: Fernando Gomes)

Em localidades do Rio Grande do Sul, a ação das quadrilhas especializadas em assalto a banco se tornou o principal temor de quem é obrigado a prestar serviço policial sozinho. Na Páscoa e no feriado de Tiradentes, pelo menos 13 cidades do Interior foram atacadas.

Em Muitos Capões, nos Campos de Cima da Serra, por exemplo, uma única soldado respondia pela segurança de 3 mil pessoas, dois bancos e uma lotérica na tarde de 27 de abril. A policial militar, originalmente alocada em Pinhal da Serra, onde mora, percorre 70 quilômetros diariamente para prestar atendimento em Muitos Capões, para onde foi deslocada a fim de suprir a falta de gente no grupamento. Para cumprir esse trajeto todos os dias, dispõe de uma viatura que nem mesmo marca a velocidade – o velocímetro está estragado.

Durante o horário bancário, a brigadiana Carla Luciana Vanin da Silva, 25 anos, há três na BM, sempre que pode evita permanecer na sede da corporação localizada justamente ao lado de uma agência do Sicredi. Prefere circular pelas ruas, monitorar pontos de acesso, em vez de permanecer ao lado do telefone:

– Se uma quadrilha chega aqui armada de fuzil, o que eu posso fazer com a minha pistola?

Fora da unidade, ela acredita que se torna um alvo menos fácil e, pelo menos, tem condição de pedir auxílio a alguma cidade próxima na eventualidade de um assalto. O problema é que, em razão da falta de efetivo, Carla também estava respondendo pelo comando da unidade – ou seja, dela mesma. Como há papéis e relatórios a serem preenchidos, tem de tirar algumas horas atrás da escrivaninha.


Horários de descanso ficam comprometidos

Nas folgas da soldado, um colega de Vacaria é deslocado para manter o posto aberto. Um terceiro militar era esperado para se unir ao grupo, mas isso não alteraria a rotina de trabalho solitário, apenas facilitaria o revezamento entre eles para cumprir os turnos de serviço.

– Minha mãe é quem costuma se preocupar muito comigo. Liga todos os dias – diz Carla.

Um sargento de outra cidade da região, que falou sob a condição de anonimato, afirma que o fato de trabalhar sozinho também acaba por tumultuar a vida pessoal dos brigadianos. Para não correr o risco de ficar fora de contato na eventualidade de uma ocorrência, afirma que mesmo nos horários de folga evita ir a localidades nas quais não há sinal de celular.

 – A gente acaba ficando o tempo todo envolvido. A família reclama, mas é o jeito. Não dá para descansar direito – lamenta.







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