ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

sábado, 2 de maio de 2015

A VOCAÇÃO PACÍFICA DAS UPPs NO RIO DE JANEIRO





Crimes e erros de policiais das UPPs têm de ser apurados e punidos. Apesar deles, os números contam uma história de sucesso na diminuição da criminalidade

RAPHAEL GOMIDE COM ISABEL CLEMENTE E LÍVIA CUNTO SALLES
REVISTA ÉPOCA 22/04/2015 10h26






A morte do menino Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, atingido possivelmente por um policial militar perto de sua casa, no Complexo do Alemão, abalou o Rio de Janeiro e expôs problemas no programa das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs. Dois dias após a morte do menino, moradores foram às ruas do Complexo em protesto. Um deles carregava um cartaz onde se lia: “Fora UPPs. Chega de morte”. A revolta é compreensível, mas os números propõem uma leitura menos emocional. Nas 38 UPPs existentes no Rio, o número de homicídios dolosos caiu 66%, e as mortes por ação policial se reduziram em 91% entre 2008 e 2014. Leia os relatórios sobre as UPPs neste link. Na capital, os homicídios diminuíram 40%, e as mortes em ações policiais despencaram 64% - confira aqui alguns dados sobre a criminalidade. As eloquentes reduções dos índices de criminalidade tanto nas áreas de UPPs quanto na capital demonstram que o projeto não pode fracassar. Precisa ser aperfeiçoado para entregar às comunidades a paz e os serviços prometidos.






1. O PROBLEMA DA UPP É A VIOLÊNCIA?

Não, embora episódios como o do menino Eduardo sejam terríveis. O crime deve ser investigado e, constatada a culpa, resultar em punição exemplar. Na origem e no espírito, porém, as UPPs têm, como diz o nome, uma vocação pacífica. Foram criadas no final de 2008 como polícia comunitária. A estratégia de implantação previa, num primeiro momento, que batalhões especiais, como o Bope, fizessem uma varredura na área em busca de armas, drogas e criminosos – a retomada do território. Depois, PMs preparados para o policiamento de proximidade ocupariam as localidades. Seu objetivo era ganhar a confiança de moradores para, assim, melhor protegê-los.

Deu certo na maioria dos morros. Na UPP Santa Marta, a primeira, em Botafogo, não houve mais nenhum homicídio ou auto de resistência desde dezembro de 2008, quando a unidade foi implantada. Na Ladeira dos Tabajaras, que tivera 26 mortes em ações da polícia de 2007 a 2009, não houve mais mortes do gênero desde 2010. Como no Santa Marta, outros morros experimentaram um renascimento econômico importante – principalmente na Zona Sul –, abrigando albergues, agências de turismo e até botecos que se popularizaram entre cariocas de classes média e alta.

A crise atual começou quando os bandidos, na esteira das manifestações de 2013, viram uma oportunidade de retomar os morros (leia mais no item 3). A tentativa expôs um fator da crise: os policiais das UPPs, sem treinamento especial como os do Bope, não se sentem preparados para lidar com a crise e o sentimento de desconfiança que, a partir de 2013, instauraram-se em alguns morros. “Onde há medo e desconfiança, não há como fazer polícia de proximidade”, afirma o coronel Robson Rodrigues, chefe do Estado-Maior da PM do Rio. Em comunidades mais violentas, como as do Complexo do Alemão – onde quatro policiais foram mortos em 2014 –, os PMs atuam com medo. Ficam nervosos e acuados, o que resulta em conflitos violentos.



2. POLÍCIA DE PROXIMIDADE DÁ CERTO?

Sim. Em comunidades menores e onde há menos resistência armada ou social à presença da polícia, o modelo de pacificação tem tido s bons resultados, com a melhor integração entre os soldados e a população local. Nesses locais, são mais bem-sucedidas ações como aulas de música, esportes e artes marciais promovidas por policiais voluntários para moradores, além de ações sociais – neste ano, no Morro da Providência, houve até policiais vestidos como coelhinhos entregando ovos de Páscoa para as crianças (confira as fotos no flickr do portal da UPP). Essas iniciativas conquistam a simpatia local e reduzem a resistência das comunidades à presença policial.




3. QUANDO COMEÇOU A CRISE?

A partir de maio de 2013, quando criminosos começaram a atacar as UPPs. Os alvos eram as favelas mais lucrativas e de maior valor simbólico, como Rocinha, Alemão e Manguinhos. Com as manifestações de junho de 2013 e o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza – cujos principais suspeitos são PMs da unidade da Rocinha –, o programa enfrentou uma grave crise de credibilidade. Os traficantes aproveitaram para tentar retomar o controle do território no Alemão, principal bastião da pacificação. Descobriram falhas do modelo e passaram a tentar miná-lo. “O processo de pacificação é uma construção, em qualquer parte do mundo. O criminoso se adapta, procura uma nova maneira de agir”, diz o comandante-geral da PM, Alberto Pinheiro Neto.

Nos protestos políticos de 2013, traficantes intensificaram os ataques a tiros e com coquetéis molotov a bases da polícia, espalhando o pânico entre os soldados novatos e atônitos. A reação violenta do Batalhão de Choque elevou o desgaste da corporação na opinião pública. Os traficantes aumentaram a pressão sobre os moradores, incitando-os a não vender alimentos a PMs ou cumprimentá-los na rua. Para descredibilizar a polícia, os traficantes passaram até a fazer campanhas “pela paz”. Do final de 2013 ao final de 2014, 12 policiais foram mortos em UPPs. “Os policiais das UPPs acabaram focados na ‘guerra’, quando precisam ser gerenciadores de conflitos. Além disso, há quem prove da guerra e goste: aí a UPP volta a representar a polícia velha, que não queremos”, afirma Pinheiro Neto.




4. HOUVE ERROS DO GOVERNO?

Sim. As UPPs se expandiram excessivamente por motivos eleitorais. A promessa da gestão Sérgio Cabral era ter 40 UPPs até 2014. Não havia policiais disponíveis para tantas UPPs e internamente a PM defendia – acertadamente – a consolidação do processo nas comunidades já ocupadas antes da expansão. Os critérios de seleção de novos policiais se afrouxaram e o tempo de formação foi reduzido. Em 22 meses foram inauguradas 17 das 38 UPPs (leia estatísticas sobre a UPP aqui), entre elas aquelas em áreas mais perigosas, como as do Complexo do Alemão e Penha e a da Rocinha.

Para o economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a expansão em ritmo rápido comprometeu a formação dos policiais e levou a essas comunidades uma força ainda despreparada. Com o grande número de unidades, a polícia perdeu a capacidade de gerenciar os 9.500 integrantes de UPPs, contingente maior que o das PMs de 15 Estados brasileiros. Nos complexos do Alemão e da Penha, com a saída da Força de Pacificação, caiu o número de agentes. O Exército manteve na região, entre 2010 e 2012, 1.200 militares por dia. A PM conta com, no máximo, 600 policiais por turno.




5. COMO RETOMAR O CONTROLE NAS ÁREAS CRÍTICAS?
Reconhecer os problemas, mandar às comunidades as tropas adequadas a cada caso e ter foco. Desde janeiro deste ano, as UPPs deixaram de ser vistas como “áreas pacificadas” e passaram a ser enxergadas como “territórios instáveis”, cuja situação é descrita pelas cores verde, amarela e vermelha, como em zonas de conflito. No Comando de Polícia Pacificadora, dois coordenadores analisam a situação de cada unidade e atribuem cores. Quando uma região é avaliada como zona vermelha, unidades do Comando de Operações Especiais (COE), como o Bope e o Batalhão de Choque, são acionadas para intervir.

O comando da Polícia Militar entende que, com as equipes do COE, mais técnicas, seja necessário menor uso de força. A falta de prática dos jovens policiais pode levar a mais erros e mortes de inocentes. Com as tropas especiais, reduzem-se as chances de que episódios como a morte de moradores desgastem a imagem das UPPs e desestabilizem o principal programa de segurança pública do Estado. A decisão de empregar o COE é também reflexo do aumento das mortes de PMs em UPPs (nove em 2014) e do número de pessoas mortas pela polícia no ano passado (582, 40% a mais que em 2013 - leia sobre os índices de homicídio decorrente de intervenção policial no link). Para Rodrigues, do Estado-Maior da PM, apesar da existência de territórios com problemas, dois terços das UPPs não vivem situação crítica.




6. QUAIS SÃO OS DESAFIOS AGORA?
Do ponto de vista do Estado, é preciso fazer com que as demais secretarias atuem para integrar as áreas com UPPs à cidade e aos serviços públicos de qualidade, mesmo diante de uma crise financeira aguda. Pouco depois de tomar posse, o governador Luiz Fernando Pezão anunciou cortes de R$ 2,6 bilhões no orçamento do Estado. Na área de segurança pública, a redução pode ser de R$ 85, 5 milhões. A derrocada do empresário Eike Batista também prejudicou as UPPs – nos últimos anos, ele contribuiu com cerca de R$ 30 milhões para o programa.

A PM tem de superar limitações de efetivo, treinamento e equipamento, e melhorar as condições de trabalho dos policiais. Um relatório de dezembro do Estado-Maior da PM - confira a íntegra do relatório aqui - aponta como problemas nas UPPs defasagem do efetivo (de 15% a 30%), falta de coletes protetores, de equipamento para controle de distúrbios e de conservação adequada das bases. As viaturas e os rádios são insuficientes e há muitas áreas de sombra, onde os equipamentos não funcionam.

Outro aspecto fundamental é o treinamento adequado dos PMs de UPPs, tanto para a autoproteção como para as mais básicas tarefas da polícia de proximidade, como mediar conflitos e se relacionar com o público. O maior desafio da polícia e da Secretaria de Segurança é mudar a cultura histórica de parte da corporação, de confronto com traficantes, e fazer com que os policiais se identifiquem com a ideia da política de pacificação.
Neste momento, mais importante do que expandir as UPPs é consolidar as já existentes, principalmente em áreas como a Rocinha e o Complexo do Alemão – um símbolo de que é possível recuperar territórios antes sob o domínio de traficantes.









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