REVISTA ÉPOCA 30/04/2015 - 23h54
A ação desastrada da PM no protesto dos professores em Curitiba. Quase dois anos depois de junho de 2013, a polícia brasileira ainda mostra despreparo para lidar com manifestações
ALINE RIBEIRO E ALBERTO BOMBIG
Em 13 de junho de 2013, a ação violenta da Polícia Militar de São Paulo contra manifestantes que foram às ruas para tentar impedir o aumento no transporte público ficou conhecida como “quinta-feira sangrenta”. Os excessos aumentaram a temperatura dos protestos que, nos dias seguintes, se alastrariam por todo o país. Os policiais chegaram a atirar balas de borracha nos manifestantes, e uma delas acabou ferindo o olho da jornalista Giuliana Vallone, da Folha de S.Paulo, que cobria os episódios. O governo paulista reconheceu o uso desproporcional da força e alterou radicalmente a maneira como a PM atuaria em outras manifestações. Quase dois anos depois daquele 13 de junho, a Polícia Militar do Paraná mostrou, no último dia 29, que as lições daquele episódio não foram aprendidas integralmente. “A operação foi um verdadeiro desastre”, afirma o coronel José Vicente da Silva, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo Fernando Henrique. “A polícia continua despreparada. Não se chegou perto de um planejamento adequado.”
Apoiados por uma decisão judicial e obedecendo a ordens do governador Beto Richa (PSDB), 1.600 policiais cercaram a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) na manhã da quarta-feira, dia 29. Estavam ali para impedir a entrada de professores e servidores públicos contrários à votação final do projeto de reforma da Paranaprevidência. Cerca de 20 mil pessoas participavam do ato, segundo estimativas dos organizadores. Em meio a uma crise financeira, o governo enviara à Alep uma proposta para mudar as regras da Previdência estadual. O projeto propõe que 33 mil beneficiários com 73 anos ou mais sejam transferidos do Fundo Financeiro, mantido pelo Tesouro estadual, para o Previdenciário, bancado por contribuições dos servidores. O governo, assim, deixaria de pagar sozinho as aposentadorias. Com essa mudança na origem do custeio, a administração economizaria mensalmente R$ 125 milhões.
O confronto começou às 14h45, quando os manifestantes tentaram derrubar as grades que cercam a Assembleia Legislativa para intimidar os parlamentares. Descontrolados em meio à multidão, cachorros da raça pit bull morderam um jornalista e um deputado. Os efeitos das bombas de gás lacrimogêneo, lançadas indiscriminadamente, alcançaram uma creche vizinha ao protesto – algumas crianças chegaram a vomitar, e os pais foram chamados às pressas para buscar seus filhos. Houve também disparos de balas de borracha. A situação voltou ao normal por volta das 17 horas. Mais tarde, a Casa aprovou, por 31 votos contra 20, a proposta de reforma na Previdência. Não há mais possibilidade de rejeição da matéria. A informação demorou a chegar aos poucos manifestantes que ainda resistiam ao frio e à chuva que começou a cair no início da noite. Em pouco mais de duas horas de confronto, o número de feridos, segundo os organizadores, foi o dobro do ocorrido na manifestação de 13 de junho de 2013: 213 manifestantes. Oito foram levados ao hospital em estado grave, três deles com traumatismo craniano, de acordo com a prefeitura. O governo estadual publicou outro balanço: 40 manifestantes e 22 policiais feridos.
É compreensível que os policiais tenham ficado estressados diante de 20 mil manifestantes – entre eles, tipos violentos dispostos a depredar um patrimônio público e a intimidar os representantes eleitos pelo povo. “Ninguém pode ser hipócrita de dizer que as cenas não são lamentáveis, mas os policiais ficaram parados, protegendo o prédio público”, diz o governador Beto Richa.
FERIMENTOS
O conflito em Curitiba (Foto: Joka Madruga/Futura Press)
FERIMENTOS
A jornalista Giuliana Vallone ferida no olho. As cenas se repetem (Foto: Diego Zanchetta/Estadão Conteúdo)
É fato. Mas, mesmo assim, a ação desastrada não se justifica. Um dos maiores erros da PM, segundo José Vicente, foi convocar um contingente despreparado para conter manifestações como a que havia sido anunciada no Paraná. Havia ali policiais de todos os cantos do Estado, desde aqueles de cidades pequenas, onde episódios como esse inexistem, até os das fronteiras com o Paraguai e a Argentina. Com um agravante: muitos deles se encontravam desmotivados por não ter recebido a diária de R$ 180, dada a profissionais que chegam de fora. “Não basta ter um número grande de homens. Eles precisam estar sob o comando imediato de algum superior no qual confiam”, afirma José Vicente. O segundo grande equívoco foi o uso de cachorros na operação. Em São Paulo, onde a PM é considerada mais preparada do que no restante do Brasil, não há animais em protestos há pelo menos dez anos. O risco é que, em meio à confusão, os bichos fiquem estressados e percam o controle. Bombas de gás lacrimogêneo (de preferência longe de creches) fazem parte do protocolo policial para dispersar manifestações violentas. Não é mais recomendado o uso de balas de borracha, porque elas podem ferir os manifestantes em pontos sensíveis como os olhos, como ocorreu em junho de 2013. Nos bastidores do Palácio Iguaçu, assessores de Richa avaliam que a atuação de dois secretários foi determinante no processo que culminou nos incidentes ocorridos na quinta-feira: Fernando Francischini (Segurança) e Mauro Ricardo Costa (Fazenda). Francischini, ex-oficial do Exército Brasileiro e delegado da Polícia Federal, tem perfil pouco conciliador e é adepto do uso da força policial como forma de conter manifestações. Costa é o mentor do projeto que provocou a revolta dos funcionários públicos. Em março, a desaprovação do governo Beto Richa (PSDB), logo após o início da greve dos professores, era de 76% em todo o Estado. Em pesquisas realizadas nos últimos dez dias nas maiores cidades paranaenses, a rejeição ao governador já passa dos 81%, segundo o instituto Paraná Pesquisas. Na quinta-feira, o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet (PDT), adversário de Richa, abriu as portas da prefeitura para acolher manifestantes e condenou a ação da polícia. Num ato mais autêntico e sem motivações políticas, 17 policiais do contingente escalado para conter a manifestação cruzaram os braços e se recusaram a participar da operação. Acabaram detidos.
A ação desastrada da PM no protesto dos professores em Curitiba. Quase dois anos depois de junho de 2013, a polícia brasileira ainda mostra despreparo para lidar com manifestações
ALINE RIBEIRO E ALBERTO BOMBIG
Em 13 de junho de 2013, a ação violenta da Polícia Militar de São Paulo contra manifestantes que foram às ruas para tentar impedir o aumento no transporte público ficou conhecida como “quinta-feira sangrenta”. Os excessos aumentaram a temperatura dos protestos que, nos dias seguintes, se alastrariam por todo o país. Os policiais chegaram a atirar balas de borracha nos manifestantes, e uma delas acabou ferindo o olho da jornalista Giuliana Vallone, da Folha de S.Paulo, que cobria os episódios. O governo paulista reconheceu o uso desproporcional da força e alterou radicalmente a maneira como a PM atuaria em outras manifestações. Quase dois anos depois daquele 13 de junho, a Polícia Militar do Paraná mostrou, no último dia 29, que as lições daquele episódio não foram aprendidas integralmente. “A operação foi um verdadeiro desastre”, afirma o coronel José Vicente da Silva, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo Fernando Henrique. “A polícia continua despreparada. Não se chegou perto de um planejamento adequado.”
Apoiados por uma decisão judicial e obedecendo a ordens do governador Beto Richa (PSDB), 1.600 policiais cercaram a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) na manhã da quarta-feira, dia 29. Estavam ali para impedir a entrada de professores e servidores públicos contrários à votação final do projeto de reforma da Paranaprevidência. Cerca de 20 mil pessoas participavam do ato, segundo estimativas dos organizadores. Em meio a uma crise financeira, o governo enviara à Alep uma proposta para mudar as regras da Previdência estadual. O projeto propõe que 33 mil beneficiários com 73 anos ou mais sejam transferidos do Fundo Financeiro, mantido pelo Tesouro estadual, para o Previdenciário, bancado por contribuições dos servidores. O governo, assim, deixaria de pagar sozinho as aposentadorias. Com essa mudança na origem do custeio, a administração economizaria mensalmente R$ 125 milhões.
O confronto começou às 14h45, quando os manifestantes tentaram derrubar as grades que cercam a Assembleia Legislativa para intimidar os parlamentares. Descontrolados em meio à multidão, cachorros da raça pit bull morderam um jornalista e um deputado. Os efeitos das bombas de gás lacrimogêneo, lançadas indiscriminadamente, alcançaram uma creche vizinha ao protesto – algumas crianças chegaram a vomitar, e os pais foram chamados às pressas para buscar seus filhos. Houve também disparos de balas de borracha. A situação voltou ao normal por volta das 17 horas. Mais tarde, a Casa aprovou, por 31 votos contra 20, a proposta de reforma na Previdência. Não há mais possibilidade de rejeição da matéria. A informação demorou a chegar aos poucos manifestantes que ainda resistiam ao frio e à chuva que começou a cair no início da noite. Em pouco mais de duas horas de confronto, o número de feridos, segundo os organizadores, foi o dobro do ocorrido na manifestação de 13 de junho de 2013: 213 manifestantes. Oito foram levados ao hospital em estado grave, três deles com traumatismo craniano, de acordo com a prefeitura. O governo estadual publicou outro balanço: 40 manifestantes e 22 policiais feridos.
É compreensível que os policiais tenham ficado estressados diante de 20 mil manifestantes – entre eles, tipos violentos dispostos a depredar um patrimônio público e a intimidar os representantes eleitos pelo povo. “Ninguém pode ser hipócrita de dizer que as cenas não são lamentáveis, mas os policiais ficaram parados, protegendo o prédio público”, diz o governador Beto Richa.
FERIMENTOS
O conflito em Curitiba (Foto: Joka Madruga/Futura Press)
FERIMENTOS
A jornalista Giuliana Vallone ferida no olho. As cenas se repetem (Foto: Diego Zanchetta/Estadão Conteúdo)
É fato. Mas, mesmo assim, a ação desastrada não se justifica. Um dos maiores erros da PM, segundo José Vicente, foi convocar um contingente despreparado para conter manifestações como a que havia sido anunciada no Paraná. Havia ali policiais de todos os cantos do Estado, desde aqueles de cidades pequenas, onde episódios como esse inexistem, até os das fronteiras com o Paraguai e a Argentina. Com um agravante: muitos deles se encontravam desmotivados por não ter recebido a diária de R$ 180, dada a profissionais que chegam de fora. “Não basta ter um número grande de homens. Eles precisam estar sob o comando imediato de algum superior no qual confiam”, afirma José Vicente. O segundo grande equívoco foi o uso de cachorros na operação. Em São Paulo, onde a PM é considerada mais preparada do que no restante do Brasil, não há animais em protestos há pelo menos dez anos. O risco é que, em meio à confusão, os bichos fiquem estressados e percam o controle. Bombas de gás lacrimogêneo (de preferência longe de creches) fazem parte do protocolo policial para dispersar manifestações violentas. Não é mais recomendado o uso de balas de borracha, porque elas podem ferir os manifestantes em pontos sensíveis como os olhos, como ocorreu em junho de 2013. Nos bastidores do Palácio Iguaçu, assessores de Richa avaliam que a atuação de dois secretários foi determinante no processo que culminou nos incidentes ocorridos na quinta-feira: Fernando Francischini (Segurança) e Mauro Ricardo Costa (Fazenda). Francischini, ex-oficial do Exército Brasileiro e delegado da Polícia Federal, tem perfil pouco conciliador e é adepto do uso da força policial como forma de conter manifestações. Costa é o mentor do projeto que provocou a revolta dos funcionários públicos. Em março, a desaprovação do governo Beto Richa (PSDB), logo após o início da greve dos professores, era de 76% em todo o Estado. Em pesquisas realizadas nos últimos dez dias nas maiores cidades paranaenses, a rejeição ao governador já passa dos 81%, segundo o instituto Paraná Pesquisas. Na quinta-feira, o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet (PDT), adversário de Richa, abriu as portas da prefeitura para acolher manifestantes e condenou a ação da polícia. Num ato mais autêntico e sem motivações políticas, 17 policiais do contingente escalado para conter a manifestação cruzaram os braços e se recusaram a participar da operação. Acabaram detidos.
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