ZERO HORA 01 de março de 2015 | N° 18088
MARCOS ROLIM
As polícias são instituições fundamentais para a democracia porque zelam pela paz pública. Sabe-se da importância delas quando não as temos, como nas greves. Em todo o mundo, a paralisação dos serviços de policiamento acarreta a explosão de crimes e atos de violência, fazendo com que a sociedade se torne, efetivamente, refém de delinquentes perigosos. Não se trata, então, de diminuir as polícias, mas de lutar por instituições altamente capacitadas e inteligentes, submetidas ao Estado democrático de direito e capazes de proteger as pessoas e seus direitos. Estamos muito longe desse perfil profissional no Brasil. Pior: estamos cada vez mais longe.
Quem assistiu, na última terça-feira (24), ao Profissão Repórter, na TV Globo, com Caco Barcellos, sabe do que estou falando. O programa mostrou que muitos policiais trabalham a partir da “lógica de guerra”, pela qual suspeitos são executados e, depois, enxertados com armas com numeração raspada. O “kit flagrante” inclui drogas usadas para “arrumar a cena” de tal forma que as execuções pareçam disputas com traficantes. Nessa lógica, os que obstaculizam a eliminação dos inimigos, inimigos são. Assim, repórteres como o próprio Caco (autor de Rota 66, a história da polícia que mata, de 1992), advogados, juízes garantistas e ativistas dos direitos humanos são “defensores de bandidos”, uma expressão que nada diz sobre os acusados, mas que revela muito sobre os acusadores. O que ocorreu na Bahia, na chacina do Cabula, é assustador. As evidências mostram que PMs, depois de fuzilarem jovens pobres e negros, vestiram os cadáveres com fardas, simulando enfrentamento com um “grupo guerrilheiro”. Aqui perto, moradores de uma ocupação no Rubem Berta afirmam terem sido torturados por PMs na noite do dia 19 de fevereiro, com sacos plásticos para sufocamento e spray de pimenta. “Ameaçaram tocar fogo em nós. Derramaram azeite dizendo que era gasolina e queimaram com isqueiro”, contou uma das vítimas. Pelo que se sabe, testemunhas estão sendo ameaçadas. Dois fatos, entre muitos outros tão ou mais graves, que sequer chegam ao conhecimento do público. Ao lado da violência, sua irmã siamesa, a desonestidade, ameaça se transformar em metástase, com policiais integrando a folha de pagamento do tráfico.
Diante dos fatos repetidos, já deveríamos ter percebido a existência de um padrão alimentado por um modelo institucional absurdamente ineficiente, caro e violento, que vitima cidadãos e também policiais. O tema da reforma do modelo de polícia no Brasil, entretanto, segue fora da agenda política. Como tudo o que de fato importa, aliás.
Jornalista e sociólogo
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O maior equívoco dos que estudam a questão segurança pública é confundir um direito com força policial, levando a enxergar apenas uma parte do problema, no caso, a parte mais visível que é a policial. Esquecem que, no Estado Democrático de Direito, os direitos são garantidos por leis e pela justiça e que as forças policiais exercem função essencial à justiça, fazendo parte de um dinâmico e interativo sistema de justiça criminal, este sim inexistente e "fora de controle" no Brasil, isolando instrumentos, segregando a polícia e permitindo o uso político da segurança pública.
Para colocar na linha é precisa fazer uma ampla e profunda reforma jurídica e judicial capaz de mudar a postura das autoridades; integrar e harmonizar e comprometer poderes e instituições; sistematizar e desburocratizar a justiça brasileira; agilizar os processos e decisões; fortalecer as forças policiais; dinamizar o ministério público; aproximar a defensoria; e impor deveres, obrigações e responsabilidades na execução penal.
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