ZERO HORA 17 de julho de 2015 | N° 18229
CADU CALDAS E JULIANA BUBLITZ
POLÍTICA LUPA NOS CONTRACHEQUES. Uma folha com 96% de inativos
ENTRE OS 497 CORONÉIS pagos pela BM, há apenas 21 em atividade. Salário bruto médio é de R$ 21 mil para aposentados
O governo do Estado gastou, na folha de pagamento da Brigada Militar (BM) referente a junho, cerca de R$ 10,4 milhões com salários de coronéis, a mais alta patente da corporação. Quase 96% do valor foi destinado a aposentados.
Dos 497 nomes inscritos na folha, apenas 21 estão na ativa (ao todo, existem 26 vagas na BM de coronéis na ativa). O restante são inativos e duas pensionistas – viúvas ou filhas de oficiais que recebem parte de seus provimentos. Para os que estão em atividade, a remuneração total bruta chega, em média, a R$ 20,5 mil. Entre os demais, o valor é um pouco maior: cerca de R$ 21 mil. O valor gasto com pagamento de coronéis inativos seria suficiente para bancar os vencimentos de 3,3 mil soldados.
Autor de uma tese de doutorado sobre previdência social e aumento da expectativa de vida, o economista Riovaldo Alves Mesquita afirma que o atual modelo de concessão de aposentadorias é insustentável. Segundo ele, seria necessário realizar alterações semelhantes ao que está sendo exigido da Grécia hoje para evitar um colapso no futuro.
– A recessão na economia, que sinaliza a diminuição da arrecadação, acelera a necessidade de mudanças. Isso é particularmente grave no RS, o Estado mais endividado da federação – afirma.
ESPECIALISTAS DEFENDEM REFORMA NA LEGISLAÇÃO
Especialista em finanças públicas, Darcy Carvalho dos Santos ressalta que a folha dos coronéis é emblemática por representar um problema que envolve toda a categoria de servidores da segurança pública: a falta de uma idade mínima para se aposentar. A única exigência são 30 anos de contribuição, e, para mexer nisso, seria preciso alterar a legislação.
– Isso permite que um jovem que entre na academia hoje se aposente com 48 anos. A expectativa de vida é de 71 anos. Muitos coronéis passam disso, vivem 85, 90 anos. No final das contas, é mais tempo recebendo salário integral do que contribuindo parcialmente – explica.
Para trabalhadores da iniciativa privada do sexo masculino são exigidos 35 anos de contribuição e idade mínima de 60 anos para se aposentar. Na avaliação de Ribeiro, se a regra fosse semelhante para os servidores, a crise nas finanças não seria tão grave.
– Seriam pelo menos 10 anos sem necessidade de repor funcionários ou sem pagar gratificação por permanência. A quantidade de coronéis é reduzida, então o impacto financeiro é razoável. Mas, quando olhamos todo o funcionalismo, qual o tamanho do rombo? – questiona.
Comandante-geral da BM, o coronel Alfeu Freitas Moreira afirma que medidas adotadas nos últimos anos já estão contribuindo para reduzir as discrepâncias. Segundo ele, até 1997, quando um tenente-coronel se aposentava, automaticamente era promovido a coronel. Isso mudou.
– Mais de 70% dos coronéis inativos nunca chegaram a ser coronéis na ativa. Além disso, desde o início dos anos 2000, é preciso ter curso de Direito para ser oficial da BM. Ninguém mais entra (na carreira) com 17 anos, como eu entrei – destaca Freitas.
Acesso a dados segue restrito
Um mês depois de entrar em vigor, o sistema adotado pelo governo para divulgar nomes e salários de servidores continua restringindo o acesso aos dados. Para chegar ao ranking desta reportagem, ZH teve de pesquisar nome por nome. O modelo impede análises mais amplas.
– É um desserviço (o atual modelo). Não interessa saber quanto cada indivíduo recebe isoladamente. Para o controle social, o que vale é a visão geral das despesas. Sem isso, fica quase impossível identificar distorções – diz a secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji.
Em 10 de junho, ZH enviou pedido ao Estado para obter a totalidade dos arquivos, incluindo as identidades e os valores pagos a todos servidores vinculados ao Executivo, em uma planilha.
Um mês depois, o Estado informou que o Portal Transparência passaria a oferecer “nova funcionalidade que cumpre todas as lacunas exigidas pela legislação”.
A partir de então, passou a ser possível abrir planilhas, mas com restrições: não há um arquivo que reúna todo o funcionalismo, a pesquisa só pode ser feita a conta-gotas, por órgão, e os salários não estão discriminados nas listas de servidores, o que prejudica comparações.
– É transparência demagógica. De que adianta o Estado fornecer todos os dados, menos as remunerações? – questiona Marina.
Além disso, algumas autarquias e empresas de economia mista só oferecem arquivos em PDF, o que dificulta o manuseio dos dados. Ontem, ZH entrou com recurso solicitando o reexame do pedido. O decreto que regulamenta a lei no RS estabelece o prazo de 10 dias para resposta.
POR QUE TANTOS INATIVOS |
1) Na BM, não há idade mínima para aposentadoria. Basta cumprir 30 anos de serviço. Se iniciar na carreira aos 20 anos, aos 50 poderá se aposentar. A maioria dos coronéis entrou como aspirante a oficial. Em média, são 30 anos para percorrer os degraus. |
2) O critério para promoções tem caráter mais subjetivo do que objetivo. Isso pode acelerar a ascensão. |
3) Promovido a coronel, o oficial pode ficar seis anos no posto, sendo obrigado a se aposentar em seguida. |
4) Outro fator é a cedência. À medida que a BM empresta um oficial a outra instituição, a vaga dele fica aberta, e a corporação tem de preenchê-la. Com isso, ele e um outro oficial acabam subindo na carreira ao mesmo tempo, ampliando o número de coronéis. |
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A inatividade aos 30 de serviço concedidos aos militares não é uma aposentadoria, mas a ida para um quadro reserva em que pode ser convocado novamente. Antigamente, antes do requisito do bacharelado em direito, os oficiais entravam para o serviço público com apenas 17 como afirma o Comandante e o meu próprio caso, proporcionando a permanente renovação dos quadros, mas com uma aposentadoria justa, mas precoce. Com a nova forma inclusão, o quadro mudou. Além disto, o quadro reserva poderia ser usado pela Brigada Militar e pelo Governo em áreas administrativas, estratégicas e de instrução, pois há pessoas capacitadas em várias áreas, experientes e com especialidades, inclusive no exterior.
Quanto aos salários, há uma enorme disparidade entre os oficiais, beneficiando aqueles que agregaram vantagens e os que permanecerem na operacionalidade sem estas vantagens. Não é possível que uns possam ganhar entre 27 e 30 mil e outros receberem 17 e 19 mil, no topo da carreira e com mais de 25 anos de serviço ativo, bem menor do que o inicial de outras carreiras jurídicas.
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