EXTRA 03/06/18 04:30
Vila
Cruzeiro, Complexo da Penha, 8h da manhã de 11 de janeiro de 2017. Numa
emboscada, o grupo tático da UPP é atacado a tiros. O cabo Braga é o
primeiro a descer do carro. Em segundos, uma granada explode perto de
seu corpo. Ele é arremessado a quatro metros de altura. Quando tenta se
levantar, percebe que perdeu a perna esquerda.
No meio do tiroteio entre policiais e traficantes, Braga é socorrido e levado para o Hospital estadual Getúlio Vargas, na Penha. Sofre três paradas cardíacas e precisa de dez bolsas de sangue. Apesar disso, quando se lembra daquele dia, o cabo, que prefere não ter o nome completo divulgado, se considera um homem de sorte: não se tornou mais um dos 28 policiais militares mortos em serviço no ano passado.
Uma perda que não é medida pela Polícia Militar apenas em vidas e famílias destruídas. Um estudo feito pela corporação mostra que a violência cometida contra esses PMs, durante o tempo que teriam de atividade profissional, custará em pensões R$ 35 milhões ao Estado. Um preço que o governo paga pela sua própria incapacidade de reduzir a criminalidade.
O estudo, produzido pela Diretoria de Assistência Social (DAS) da PM e obtido pelo EXTRA, mede os custos para os cofres do estado do que define como uma "guerra urbana". Nos últimos 24 anos, foram 3.397 policiais mortos, e outros 15.236 feridos.
— Sem falar na perda imensurável na questão humana, a PM diminui cada vez mais seu efetivo policial e gera um rombo no investimento ainda maior — afirma o coronel Fábio Cajueiro, responsável pela DAS.
O oficial explica que o cálculo foi feito com base no salário que a família de cada policial receberá no tempo restante que o PM teria de serviço. Ou seja, caso o agente tenha morrido com apenas cinco anos de corporação, o cálculo multiplica os 25 anos restantes para a aposentadoria por 13 (referente aos 12 meses de salário somado ao 13º) e, por fim, pelo salário mensal.
Dessa forma, a morte de um soldado no seu quinto ano de atividade policial representará para a corporação cerca de R$ 1,3 milhão. Sem reforçar a segurança do estado. Ao ser morto em serviço, o PM recebe um soldo acima do cargo hierárquico em que estava: o soldado utilizado como exemplo receberá como cabo.
— É importante frisar que estamos apresentando um cálculo que leva em consideração apenas os salários, sem os demais custos que existem. É um número assustador que só vem crescendo — conta Cajueiro.
Além do cálculo baseado nas mortes do ano passado, o estudo realizou um levantamento sobre o custo de cada policial afastado em razão de ferimentos por armas de fogo. No total, foram levados em conta 255 policiais entre os 784 feridos em 2017. O valor final se aproxima dos R$ 3,5 milhões. Nesse caso, o cálculo considera os dias afastados de serviço de cada PM.
Agora reformado por invalidez, o cabo Braga não entra nos cálculos do DAS. O policial agora leva seus dias tentando melhorar as condições para os companheiros de farda que mais precisam. Ele faz parte da Comissão de Valorização de Veteranos Mortos e Feridos da PM.
— Infelizmente, a situação só piora. E com as perdas constantes, há uma menor qualidade de equipamentos, meios de prevenção, treinamentos e auxílios aos profissionais — lamenta Braga.
A VIDA EM FAMÍLIA
A vida do policial mudou por completo desde que sofreu o ferimento. Ele é faixa preta em taekwondo e tinha um projeto social de artes marciais gratuito no Morro São João, no Engenho Novo. O projeto deu certo e conseguiu atingir mais de 200 jovens, mas durou apenas dois anos. Teve de ser encerrado pelo crescimento da criminalidade na região.
— Eu perdi minha melhor perna de chute. Agora, não posso mais fazer algo que tinha paixão. Mal posso me locomover pela cidade, na verdade. O Rio não é preparado para os deficientes — comenta o cabo.
O PM conta que apenas percebeu a falta que faria para o filho quando estava deitado na cama do hospital, com a perna amputada e correndo risco de vida. A família decidiu por preservar a notícia da criança enquanto a visita no hospital não era possível. Braga contou com o apoio de sua esposa e de sua família durante todos os momentos difíceis.
— Escondemos durante uns dias. Minha esposa e minha família foram essenciais. Mas, quando vi meu filho, não aguentei. Ele me deu um abraço e ficamos chorando juntos. Eu não tinha chorado até ali. Foi o momento da minha derrocada pessoal.
O filho de apenas quatro anos nasceu após Braga estar há dois anos na corporação. Ao contrário dos conselhos que escutava dos companheiros, não diminuiu o ritmo de trabalho:
— Eu queria dar ao meu filho uma vida mais tranquila. Achava que, para tornar a sociedade melhor, precisava ir além.
Apesar da pouca idade, o filho tenta não chorar mais na frente do pai. Ainda não há uma noção total da dificuldade que Braga tem com a perda da perna. No entando, a admiração não foi abalada pelo acidente e gera até brincadeiras.
— Ele brinca comigo, pula num pé só. Mas ao mesmo tempo dá conselho: "pai, toma cuidado para os bandidos não tirarem sua outra perna". Ele não entende tudo, mas tem a preocupação — compartilha o cabo.
MORTES PRECOCES SÃO ALARMANTES
Entre os dados apresentados pelo estudo, há o tempo de atividade dos policiais mortos em serviço no ano passado. Cerca de um terço dos PMs morreram quando tinham no máximo 5 anos de corporação.
— De infeliz destaque, há um soldado que só teve dois anos trabalhando na Polícia Militar. Uma vida tão nova já sendo retirada pelo crime e deixando de servir a corporação pelos próximos 28 anos. É uma perda imensurável — afirma Cajueiro.
Outro número também chama atenção entre os mais novos. Em 2017, o afastamento psiquiátrico gerou um gasto superior a R$ 28 milhões. Cerca de 58% dos licenciados estão nos primeiros dez anos de serviço.
— Esses policiais podem acabar retornando, mas não temos como saber. São uma perda em relação ao pessoal disponível no efetivo policial e uma perda para toda a sociedade. São humanos afetados pela guerra em que vivemos — completou o coronel.
RESULTADOS E PROPOSTAS
A Diretoria de Assistência Social trouxe propostas de prevenção com base nos dados levantados. De acordo com o estudo, o custo com os salários e seguros de mortos em feridos foi de R$ 208 milhões no ano passado.
A blindagem dos carros é posta em pauta como principal precaução. Com base nos números citados, o custo da blindagem 3A (proteção para os calibres 22, 38, 9mm e Magnum 375 e 44) das 3.000 viaturas no estado do Rio seria de 50% do valor gasto em 2017 com as perdas.
— O ideal é que haja um olhar especial para a prevenção. Seja nas blindagens, coletes balísticos e leis mais rigídas — afirma o cabo Braga.
Estudo da PM mostra que violência contra policiais apenas em 2017 custará R$ 35 milhões ao Estado
No meio do tiroteio entre policiais e traficantes, Braga é socorrido e levado para o Hospital estadual Getúlio Vargas, na Penha. Sofre três paradas cardíacas e precisa de dez bolsas de sangue. Apesar disso, quando se lembra daquele dia, o cabo, que prefere não ter o nome completo divulgado, se considera um homem de sorte: não se tornou mais um dos 28 policiais militares mortos em serviço no ano passado.
Uma perda que não é medida pela Polícia Militar apenas em vidas e famílias destruídas. Um estudo feito pela corporação mostra que a violência cometida contra esses PMs, durante o tempo que teriam de atividade profissional, custará em pensões R$ 35 milhões ao Estado. Um preço que o governo paga pela sua própria incapacidade de reduzir a criminalidade.
O estudo, produzido pela Diretoria de Assistência Social (DAS) da PM e obtido pelo EXTRA, mede os custos para os cofres do estado do que define como uma "guerra urbana". Nos últimos 24 anos, foram 3.397 policiais mortos, e outros 15.236 feridos.
— Sem falar na perda imensurável na questão humana, a PM diminui cada vez mais seu efetivo policial e gera um rombo no investimento ainda maior — afirma o coronel Fábio Cajueiro, responsável pela DAS.
O oficial explica que o cálculo foi feito com base no salário que a família de cada policial receberá no tempo restante que o PM teria de serviço. Ou seja, caso o agente tenha morrido com apenas cinco anos de corporação, o cálculo multiplica os 25 anos restantes para a aposentadoria por 13 (referente aos 12 meses de salário somado ao 13º) e, por fim, pelo salário mensal.
Dessa forma, a morte de um soldado no seu quinto ano de atividade policial representará para a corporação cerca de R$ 1,3 milhão. Sem reforçar a segurança do estado. Ao ser morto em serviço, o PM recebe um soldo acima do cargo hierárquico em que estava: o soldado utilizado como exemplo receberá como cabo.
— É importante frisar que estamos apresentando um cálculo que leva em consideração apenas os salários, sem os demais custos que existem. É um número assustador que só vem crescendo — conta Cajueiro.
Além do cálculo baseado nas mortes do ano passado, o estudo realizou um levantamento sobre o custo de cada policial afastado em razão de ferimentos por armas de fogo. No total, foram levados em conta 255 policiais entre os 784 feridos em 2017. O valor final se aproxima dos R$ 3,5 milhões. Nesse caso, o cálculo considera os dias afastados de serviço de cada PM.
Agora reformado por invalidez, o cabo Braga não entra nos cálculos do DAS. O policial agora leva seus dias tentando melhorar as condições para os companheiros de farda que mais precisam. Ele faz parte da Comissão de Valorização de Veteranos Mortos e Feridos da PM.
— Infelizmente, a situação só piora. E com as perdas constantes, há uma menor qualidade de equipamentos, meios de prevenção, treinamentos e auxílios aos profissionais — lamenta Braga.
A VIDA EM FAMÍLIA
A vida do policial mudou por completo desde que sofreu o ferimento. Ele é faixa preta em taekwondo e tinha um projeto social de artes marciais gratuito no Morro São João, no Engenho Novo. O projeto deu certo e conseguiu atingir mais de 200 jovens, mas durou apenas dois anos. Teve de ser encerrado pelo crescimento da criminalidade na região.
— Eu perdi minha melhor perna de chute. Agora, não posso mais fazer algo que tinha paixão. Mal posso me locomover pela cidade, na verdade. O Rio não é preparado para os deficientes — comenta o cabo.
O PM conta que apenas percebeu a falta que faria para o filho quando estava deitado na cama do hospital, com a perna amputada e correndo risco de vida. A família decidiu por preservar a notícia da criança enquanto a visita no hospital não era possível. Braga contou com o apoio de sua esposa e de sua família durante todos os momentos difíceis.
— Escondemos durante uns dias. Minha esposa e minha família foram essenciais. Mas, quando vi meu filho, não aguentei. Ele me deu um abraço e ficamos chorando juntos. Eu não tinha chorado até ali. Foi o momento da minha derrocada pessoal.
O filho de apenas quatro anos nasceu após Braga estar há dois anos na corporação. Ao contrário dos conselhos que escutava dos companheiros, não diminuiu o ritmo de trabalho:
— Eu queria dar ao meu filho uma vida mais tranquila. Achava que, para tornar a sociedade melhor, precisava ir além.
Apesar da pouca idade, o filho tenta não chorar mais na frente do pai. Ainda não há uma noção total da dificuldade que Braga tem com a perda da perna. No entando, a admiração não foi abalada pelo acidente e gera até brincadeiras.
— Ele brinca comigo, pula num pé só. Mas ao mesmo tempo dá conselho: "pai, toma cuidado para os bandidos não tirarem sua outra perna". Ele não entende tudo, mas tem a preocupação — compartilha o cabo.
MORTES PRECOCES SÃO ALARMANTES
Entre os dados apresentados pelo estudo, há o tempo de atividade dos policiais mortos em serviço no ano passado. Cerca de um terço dos PMs morreram quando tinham no máximo 5 anos de corporação.
— De infeliz destaque, há um soldado que só teve dois anos trabalhando na Polícia Militar. Uma vida tão nova já sendo retirada pelo crime e deixando de servir a corporação pelos próximos 28 anos. É uma perda imensurável — afirma Cajueiro.
Outro número também chama atenção entre os mais novos. Em 2017, o afastamento psiquiátrico gerou um gasto superior a R$ 28 milhões. Cerca de 58% dos licenciados estão nos primeiros dez anos de serviço.
— Esses policiais podem acabar retornando, mas não temos como saber. São uma perda em relação ao pessoal disponível no efetivo policial e uma perda para toda a sociedade. São humanos afetados pela guerra em que vivemos — completou o coronel.
RESULTADOS E PROPOSTAS
A Diretoria de Assistência Social trouxe propostas de prevenção com base nos dados levantados. De acordo com o estudo, o custo com os salários e seguros de mortos em feridos foi de R$ 208 milhões no ano passado.
A blindagem dos carros é posta em pauta como principal precaução. Com base nos números citados, o custo da blindagem 3A (proteção para os calibres 22, 38, 9mm e Magnum 375 e 44) das 3.000 viaturas no estado do Rio seria de 50% do valor gasto em 2017 com as perdas.
— O ideal é que haja um olhar especial para a prevenção. Seja nas blindagens, coletes balísticos e leis mais rigídas — afirma o cabo Braga.