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quarta-feira, 6 de julho de 2016

DOBRAM AS MORTES EM DUELOS COM A POLÍCIA



ZERO HORA 06 de julho de 2016 | N° 18574


REPORTAGEM ESPECIAL - CAETANNO FREITAS E EDUARDO TORRES

ASSASSINATO DE SOLDADO em abordagem em Porto Alegre evidencia fogo cruzado vivido na região. Número de agentes da segurança e suspeitos vítimas em embates entre si passou de 24, no primeiro semestre de 2015, para 48 em 2016



O final trágico de uma abordagem policial na segunda-feira na zona sul de Porto Alegre, com a morte do soldado Luiz Carlos Gomes da Silva Filho, 29 anos, está longe de ser exceção no cenário de violência da Região Metropolitana. Só no primeiro semestre deste ano, 48 pessoas morreram, entre policiais e suspeitos, em confrontos entre criminosos e agentes da segurança pública na região. É o dobro dos 24 casos registrados no mesmo período do ano passado. Uma taxa, de acordo com levantamento do Diário Gaúcho, em crescimento desde 2011, quando os dados começaram a ser coletados.

O soldado, que atuava no serviço de inteligência (PM2) da corporação, agia sozinho e sem farda quando abordou dois suspeitos em um carro clonado. Tentou conter os homens e chegou a fazer um disparo contra a perna de um deles, sem conseguir imobilizá-lo. O policial militar (PM) acabou surpreendido e morto a tiros.

Entre as 41 pessoas mortas por agentes da segurança pública no primeiro semestre na Região Metropolitana, 24 foram resultado de abordagens policiais, perseguições ou tiroteios. Exatamente o dobro dos casos do ano passado no período. Por outro lado, Luiz Carlos foi o primeiro PM assassinado durante uma ação neste ano.

INFERIORIDADE NUMÉRICA E DE ARMAMENTOS PREOCUPA

Pouco mais de dois meses atrás, outro confronto teve, por detalhe, um final diferente, mas igualmente trágico. Um intenso tiroteio entre PMs e criminosos armados com fuzil, submetralhadora e pistolas terminou com as mortes de quatro suspeitos e dois brigadianos feridos diante do Hospital Cristo Redentor, na zona norte da Capital. De acordo com a perícia, um disparo passou centímetros acima da cabeça de um dos policiais antes de atingir uma placa de trânsito.

– Havia uma agressão evidente dos criminosos, que estavam usando armamento pesado – afirma o delegado Cassiano Cabral, da 3ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que concluiu como legítima defesa a ação dos PMs no inquérito sobre o caso.

Em ambos os casos, havia inferioridade dos policiais. Em abril, era de armamentos. Nesta semana, era numérica – um brigadiano contra ao menos dois suspeitos.

– Temos um terço dos policiais que deveríamos ter para atuar nas ruas. Estaremos sempre em desvantagem – critica o presidente da associação dos servidores de nível médio da BM, Leonel Lucas, em referência ao déficit de cerca de 18 mil homens frente aos 37 mil previstos por lei para a tropa.

O argumento, porém, de acordo com o delegado Mauro Duarte de Vasconcelos, que coordena o curso de abordagem policial e tiro da Academia da Polícia Civil (Acadepol), não pode servir como justificativa para ações precipitadas:

– O policial tem treinamento para agir sob estresse. Ele precisa saber identificar o risco de confronto, e quando isso acontece, a prioridade precisa ser sempre sobreviver.

Para Lucas, situações como essas tendem a piorar com o atual quadro de carência nas corporações:

– Infelizmente, agir com coragem, não evitar uma abordagem e tentar proteger a sociedade está no nosso sangue. Mas estamos com efetivo reduzido, armamento defasado e equipamentos de proteção vencidos. O bandido sabe muito bem disso e, naturalmente, fica mais ousado. Vai sempre partir para o confronto.



Maioria dos agentes perde a vida em latrocínios


Os policiais não escapam a outra estatística preocupante deste primeiro semestre. Foi o período recordista de mortes em assaltos na Capital. E entre os servidores da segurança que perderam a vida de forma violenta entre janeiro e junho na Região Metropolitana, quatro foram vítimas de latrocínio (roubo com morte) – três em Porto Alegre. Em apenas um dos casos, há alguma suspeita de que o policial militar (PM) estivesse fazendo “bico” em um estabelecimento comercial atacado, na zona sul da Capital.

Ainda assim, na maioria das vezes, os policiais que reagiram aos assaltos vitimaram suspeitos. Foram 17 casos nos seis primeiros meses deste ano (70% na Capital) contra oito no mesmo período de 2015. A metade dos ataques visava aos veículos particulares dos agentes que, armados, reagiram.

– Temos verificado em diversas ocasiões que a ousadia dos assaltantes desafia até mesmo os policiais, que são treinados para reagir – aponta o comandante do policiamento da Capital, coronel Mario Ikeda.


Sobreviver é prioridade do treinamento


O vídeo gravado por uma moradora próxima da Rua Santa Flora, bairro Cavalhada, registrando a abordagem que resultou na morte do policial militar (PM) Luiz Carlos Gomes da Silva Filho, servirá como exemplo em aulas de preparo para abordagens policiais. Entre especialistas no assunto, há unanimidade na análise do caso: a regra básica é agir para sobreviver.

– A decisão de atirar ou não cabe apenas ao policial que está na ação. Não dá para dizer que ele fez errado. A academia fala em superioridade numérica no momento de abordagem, mas quem já vivenciou situação assim sabe que pesa o compromisso do agente – diz o instrutor do Centro de Treinamento de Técnicas e Táticas Especiais, o policial aposentado Marcos Vinícius Souza de Souza.

Segundo o especialista, havia na cena circunstância para que o PM fizesse mais um disparo contra o suspeito para contê-lo:

– Além da técnica policial, o agente também é preparado com freios éticos e morais. O suspeito, até o momento em que se aproxima do carro, estava desarmado, e isso pode ter pesado na decisão do soldado de não atirar mais uma vez. O bandido não tem esse freio.

O coordenador do curso de abordagem policial da Academia da Polícia Civil (Acadepol), delegado Mauro Duarte Vasconcelos, destaca que o PM deveria ter afastado os criminosos do veículo, onde estava escondida a arma utilizada contra ele:

– Durante todo o tempo, fica claro que o crime está no carro. O policial deveria controlar os suspeitos, afastá–los do veículo e jamais entrar em luta corporal. O risco era todo para ele próprio.

PREPARAÇÃO EFICAZ PODE EVITAR PERDAS
Para Vasconcelos, o caso expôs a necessidade cada vez maior de treinamento do policiamento:

– O soldado foi corajoso, mas isso lhe custou a vida.

Tecnicamente, Vasconcelos reconhece falhas na abordagem. A primeira, na avaliação da cena.

– Quando confirmado que se trata de carro roubado, com mais de um indivíduo, o policial sozinho precisa chamar o reforço. A decisão de agir cabe a quem está naquela situação, mas, se não chegar reforço, o melhor é não abordar – diz o delegado.

Outra recomendação, segundo os especialistas, é de que o policial sempre tenha vantagem na posição de tiro. Quando foi atingido, o PM estava com a arma abaixada.



Protestos marcaram o dia nos batalhões pelo Estado



Protestos pela morte do soldados Luiz Carlos Gomes da Silva Filho, 29 anos, ocorreram em diversas cidades do Estado ontem. As manifestações por mais segurança marcaram o dia de serviço em batalhões da Brigada Militar (BM) em Porto Alegre e no Interior. Por orientação do comando-geral da BM, houve “sirenaço” – barulho provocado pelas sirenes das viaturas – no fim da tarde. Em Cachoeira do Sul, terra natal do policial militar (PM) morto, familiares, amigos e colegas de profissão também lamentaram a perda. Carregando cartazes, rezaram uma oração de mãos dadas.

– Fizemos o mínimo que poderíamos para homenagear o colega. Foi um ato simples para tentar confortar toda a família brigadiana – diz Paulo Roberto Alves, presidente da Associação de PMs de Cachoeira do Sul.

Luiz Carlos ingressou na BM em 2009. Sempre atuou no setor de inteligência (PM2) da corporação e nunca exerceu atividade de policiamento ostensivo. Primeiro, trabalhou no 19° Batalhão de Polícia Militar (BPM), na zona leste da Capital, e depois, a partir de 2013, no quartel-general da corporação, onde estava atualmente.

– Por estar no setor de inteligência, o soldado tinha perfil diferenciado para a atividade policial, com certeza – resume o comandante da BM, coronel Alfeu Freitas Moreira.

Luiz Carlos não tinha filhos, mas deixa a mulher, Luana, os pais e cinco irmãos. Boa parte dos colegas da PM2 foi ao enterro ontem, em Cachoeira do Sul.



Pedidas as prisões de dois suspeitos


A apuração sobre a morte do soldado Luiz Carlos está em fase adiantada. O Departamento de Homicídios identificou dois suspeitos e encaminhou à Justiça ontem o pedido de prisão deles.

Ao menos dois criminosos se envolveram no confronto com o policial militar (PM), mas, segundo a investigação da 6ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, nas imagens da abordagem foi possível identificar três adultos e uma criança no veículo.

– No momento em que o carro para, um dos adultos e a criança saem do local sem ser percebidos – aponta o diretor do Departamento de Homicídios, delegado Paulo Grillo.

Ontem, peritos faziam levantamentos no Gol apreendido logo depois do crime, em um beco da Vila Resvalo, na zona sul da Capital. Foram encontradas digitais e amostras de sangue no veículo que estava sob suspeita de ser roubado e estar clonado. Testemunhas também foram ouvidas.

Ainda na noite de segunda-feira, foram detidos três homens e apreendido um adolescente, mas nenhum deles foi reconhecido pelo crime. Dois foram libertados ontem. O adolescente seria entregue a familiares e o terceiro homem seguiria preso, pois estava foragido do sistema prisional.


“Bandido não é coitadinho”, diz comandante da BM


O comandante-geral da Brigada Militar (BM), coronel Alfeu Freitas, rebateu as declarações do presidente da associação dos servidores de nível médio da corporação, Leonel Lucas, e declarou que não houve “causa e efeito” no desfecho da abordagem policial. Conforme Freitas, as dificuldades de estrutura enfrentadas pela BM não tiveram nenhuma relação com a morte do soldado.

– (As carências estruturais da BM) não têm nada a ver com o óbito. Os coletes balísticos estão em dia, as viaturas também, e estamos aumentando o efetivo da Brigada. Havia policiais militares (PMs) próximos do local, chegaram pouco depois do fato – salienta.

O coronel reforçou a opinião, divulgada por meio de nota na segunda-feira, de que o PM morto teria evitado ação mais incisiva por receio de eventuais críticas a sua conduta.

– É tudo muito dinâmico em uma abordagem como essa. Tem de saber o momento certo de agir. Com certeza, isso passou pela cabeça dele (atirar nos suspeitos), mas são momentos em que o PM tem de decidir. Ele estava tentando defender a sociedade. Esse é o valor do brigadiano. Bandido é bandido, não é coitadinho – diz Freitas.

Segundo o comandante, Luiz Carlos chegou a informar aos colegas do serviço de inteligência (PM2) que faria a abordagem.

– Ele estava em uma missão de rotina do setor dele, em uma viatura discreta, sozinho. Percebeu alguma coisa ilícita e resolveu intervir. Antes de realizar a abordagem, ligou para os colegas (da PM2), que estavam a caminho. Somente uma senhora que estava perto do fato ligou para o 190. A Brigada chegou instantes depois de ele ser alvejado.


INFORME ESPECIAL | Tulio Milman

LIDERANÇA

O comandante da Brigada, coronel Alfeu Moreira, cresceu na hora da crise. Sua reação depois do assassinato do PM Luiz Carlos da Silva Filho foi equilibrada, contundente e humana.


EMOÇÃO


No meio da tarde, um PM aposentado ligou para o Informe Especial. Identificou-se e disse:

“Nosso colega morreu com salário parcelado...”.

Caiu no choro logo depois. Soluçava. Não conseguiu terminar a frase.

Ele tem razão.

Porque a morte cobra à vista.

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