ZERO HORA, 03 de junho de 2012 | N° 17089. ARTIGOS.
Marcos Rolim, jornalista
Em
abril de 1961, o ex-oficial nazista Adolf Eichmann, acusado de
genocídio e outros crimes, começou a ser julgado em Jerusalém. Entre o
público que acompanhou as sessões, estava Hannah Arendt, enviada da
revista New Yorker. A partir das matérias que fez, Arendt lançou o livro
Eichmann em Jerusalém, no qual cunhou a expressão “banalidade do mal”.
Com ela, a filósofa não pretendeu dizer que o mal se tornara “comum” –
como inadvertidamente ainda se repete –, mas, em um sentido muito mais
rico, que o mal podia ser o resultado da ação de pessoas comuns.
Eichmann perpetrou crimes monstruosos, mas não era um “monstro”. Era um
burocrata, alguém que cumpriu ordens e que nunca se perguntou sobre o
sentido de suas ações. Para Hannah Arendt, Eichmann era incapaz de
refletir. Neste ponto, ela levantou sua perturbadora hipótese: “Não
seria o mal o resultado da ausência de reflexão?”.
Há alguns
dias, uma repórter da TV Band da Bahia, Mirella Cunha, entrou na 12ª DP,
em Itapoã. Foi entrevistar um jovem de 18 anos preso. Na matéria, ela o
acusa de “estuprador”, além de ridicularizá-lo por não saber pronunciar
a palavra “próstata”. O jovem – réu primário, negro e analfabeto – vive
nas ruas desde criança. A matéria está no YouTube em
http://migre.me/9jJ2d. As cenas dizem muito sobre o Brasil e deveriam
ser exibidas nas faculdades de jornalismo.
Os chamados “programas
policiais”, que exploram tragédias, que se nutrem do submundo das
delegacias e que transformam a violência em espetáculo, têm se espalhado
como uma praga. Os casos levados ao ar com a exposição dos suspeitos
são, em grande maioria, falaciosos e infundados e violam
sistematicamente os direitos civis como o demonstrou estudo da Facom da
Bahia, com apoio da Fundação Ford, que monitorou os programas Se liga
Bocão (Record) e Na Mira (SBT).
Comentando este trabalho, aliás, a
promotora baiana Isabel Adelaide disse que a “ficha corrida” dos
policiais que agenciam a exposição dos suspeitos costuma ser mais
extensa do que a dos próprios presos. O problema,
óbvio, não se resume à Bahia.
Em se tratando de mediocridade e
pilantragem, a disputa na TV é cada vez mais acirrada. Nela, demagogos
como Fortunato, o personagem apresentador de TV em Tropa de Elite 2,
atiçam o público contra os “bandidos” e promovem a irreflexão em escala
industrial. Não lhes faltam audiência nem patrocinadores. A imprensa que
pretende ser séria e responsável não tem o hábito de criticar esta
turma. Deveriam mirar-se no exemplo do The Guardian, que expôs as
falcatruas de Rupert Murdoch e seu jornalismo de esgoto.
O Brasil
precisa de emissoras de rádio e TV que denunciem e cobrem providências,
mas precisa ainda mais de emissoras que estimulem o pensamento, que
ensinem as pessoas a desconfiar do poder, que esclareçam, que
desmistifiquem, que combatam preconceitos, que permitam a pluralidade de
enfoques, que abram espaço à complexidade do mundo e que respeitem as
pessoas. Todas as pessoas, bem entendido. Se não for assim, rádios e TVs
serão apenas instrumentos da “banalidade do mal”.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Os procedimentos policiais junto com a mídia em tempo real precisariam ser reavaliados, especialmente com os diálogos chulos que aparecem nas reportagens. Nos EUA, as reportagens com ações policiais são apresentados para mostrar a eficiência da polícia evitando ridicularizar, conceber preconceitos, enaltecer estereótipo ou entrar em detalhes pessoais em relação aos presos. Ficam restritos às ilicitudes cometidas, à ficha criminal, ao modus-operandi e às dificuldades da polícia no combate ao crime. No Brasil, é preciso mudar a conduta da mídia, passando a priorizar o esforço policial, os riscos que envolvem, os resultados e as dificuldades que ocorrem na apresentação e na falta de continuidade na justiça. Ainda assim, os veículos de comunicação têm contribuido para apontar ilicitudes, identificar descaso do Estado e desalienar o povo brasileiro e mostrar uma realidade que envolve retrabalho, risco de morte e inúmeras difuculdades dos policiais no combate ao crime.Quanto às fichas-corridas dos policiais apontadas pela promotora, é uma surpresa, pois o MP é o órgão externo controlador das polícias que deve denunciar e impedir que fichas-sujas estejam trabalhando a serviço da sociedade. E outra, a banalidade do mal não está só com a polícia, mas espalhada por todos os Poderes sem qualquer noção de quando deixará de ficar impune.
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