domingo, 28 de agosto de 2011

ESTREBUCHA

MARCOS ROLIM, JORNALISTA, ZERO HORA 28/08/2011

O que entendemos por “violência” depende, em larga medida, dos valores morais que temos e de nossa sensibilidade. O que para uns aparece inequivocamente como violência, para outros pode ser identificado como prática “normal” ou justificável. Outro dia, assisti a uma entrevista ilustrativa realizada pela BBC com um senhor, negro, morador da periferia de Londres (disponível em: http://bit.ly/onM2Ij). A jornalista faz a entrevista do estúdio da TV britânica e quer saber o quanto o entrevistado está chocado com a rebelião dos jovens que incendiaram prédios e produziram saques. Esta era a sua “pauta”: entrevistar um morador “respeitável” que pudesse relatar seu espanto e indignação com a atitude dos jovens. O que ocorre, entretanto, é algo surpreendente: o senhor negro declara não estar chocado com os acontecimentos. Afirma que reside no bairro há décadas e que, ao longo de toda a sua vida, tem sido testemunha da forma desrespeitosa e abusiva como a polícia trata os jovens da região.

Relata que seu filho e seu neto são abordados várias vezes pelo simples fato de serem negros e que a revolta eclodiu quando a polícia estourou a cabeça de um rapaz. A jornalista, então, afirma impaciente: “Isto precisará ainda ser provado, precisamos aguardar a conclusão do inquérito”. O entrevistado segue explicando por que, em sua opinião, a revolta se justificava, quando a jornalista o interrompe perguntando: “O senhor está envolvido com a revolta?”. É impressionante a assimetria das perspectivas e penso que essa entrevista deveria ser exibida nos cursos de jornalismo em todo o mundo, senão por outro motivo, para se mostrar o que um profissional da área não deve fazer.

Esta semana, um vídeo com cenas de 2008 veio a público, mostrando policiais militares de São Paulo se omitindo de prestar socorro a dois jovens baleados. Um deles morreu, o outro prestou depoimento recentemente à Corregedoria. Os dois teriam assaltado uma metalúrgica quando foram baleados pelo segurança. O vídeo mostra um dos policiais dizendo:

“Estrebucha, estrebucha, vai”. Outro comenta: “Não morreu ainda?”. Não sei qual a reação da pessoas diante desse episódio. Mas imagino que o vídeo não deva produzir verdadeira indignação. No senso comum, a mensagem neutralizadora aparece como: “Afinal, eram assaltantes, não eram?”. Sim, e por isso devemos concordar com o fato de os policiais – 10 ao todo – terem se divertido com a agonia dos baleados? A condição dos feridos – a de suspeitos – autorizaria os agentes encarregados de cumprir a lei a ignorá-la solenemente? Deveríamos, afinal, conferir aos policiais o mandato de decidir sobre a vida de suspeitos imobilizados? Boa parte dos brasileiros entende que sim, que seria desejável que a polícia tivesse esse mandato. Por esse caminho, seguimos alimentando a disposição delinquente que amaldiçoa o país e raciocinando com os mesmos termos empregados por aqueles que vivem à margem da lei. Reside aqui o maior desafio para a segurança pública brasileira, exatamente aquele que – por todas as informações disponíveis – não será enfrentado tão cedo.


SENTI VERGONHA PELOS MEUS LEITORES - FOLHA.COM, 29/08/2011 - 07h53


Gilberto Dimenstein - integra o Conselho Editorial da Folha e vive nos Estados Unidos, onde foi convidado para desenvolver em Harvard projeto de comunicação para a cidadania.

Escrevi aqui sobre o horror que foram as cenas do homem espumando e um policial gritando "estrebucha, filho da puta". As reações foram tão violentas de apoio a essa óbvia barbárie que, depois de ler os comentários, não me senti agredido pelos mais diversos ataques. Senti vergonha por muitos dos leitores, incapazes de discernir o papel da polícia e a conduta de um servidor público.

O grave disso tudo --o mais grave disso tudo, aliás-- é como a violência vai banalizando tudo e todos, colocando pessoas honestas e marginais quase no mesmo barco, no desrespeito à lei.

Felizmente (pelo menos nas aparências) o comando da PM decidiu tomar providência e anunciar (pelo menos aparentemente) punições, mostrando que a cúpula não aceita esse tipo de atitude.

Quando não há respeito aos direitos humanos aos marginais, mais cedo ou mais tarde não haverá respeito a ninguém.

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