“A barbárie não é inevitável” - Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio, o deputado Marcelo Freixo (Psol) presidiu a CPI das Milícias em 2008 e hoje é um dos maiores especialistas brasileiros em violência urbana - Bruna Cavalcanti
Por que é tão difícil combater a violência no Rio de Janeiro?
O que diferencia fundamentalmente a violência no Rio de Janeiro da de outras cidades como Recife, Vitória e Salvador é a questão das armas. Não é o tráfico de drogas, que existe em todo lugar do Brasil e em vários países no mundo, nem a criminalidade ou o número de mortos. Mexer no tráfico de armas significa mexer com poderes fortes e importantes da sociedade. As favelas não produzem as armas. Quem entra com essas armas? Quem lucra com isso? Quem vende? Talvez o dinheiro do tráfico de armas não esteja em um barraco, e sim na bolsa de valores, na especulação imobiliária e em outros mecanismos financeiros legais e mais sofisticados.
Há solução para a violência?
Essa barbárie não é inevitável. É possível ser mudada com investimentos em políticas públicas e com a construção de garantia de direitos. Não é possível que, com mais de 200 mil moradores no Complexo do Alemão, existam só duas escolas públicas funcionando de forma precária. Isso também é uma forma de violência. Precisamos ter uma reforma profunda na polícia e na concepção de segurança pública. Também precisamos debater o conceito de cidades, dando outra perspectiva às favelas.
A polícia carioca está entre as que mais matam no mundo. Por quê?
A nossa polícia historicamente serve a uma elite política. Ela foi construída assim: barata e violenta porque serve para a manutenção da relação do Estado com os territórios desassistidos de direitos. Como a nossa elite política é corrupta, ela precisa de uma polícia assim. É o nosso instrumento de apartheid.
O sr. foi líder de uma CPI que investigou as milícias na Assembleia Legislativa do Rio. Que impacto teve esse trabalho?
Quase todos os líderes importantes foram presos com a CPI das Milícias, incluindo um deputado e um vereador. Esses grupos perderam poder político, mas não perderam poder econômico ou territorial. Suas áreas continuaram crescendo. Eles dominam os serviços de transportes, gás, fornecimento de água, energia elétrica e tevês a cabo clandestinas. São muito parecidos com as máfias. E, se não forem derrotados economicamente e enfrentados agora, continuarão crescendo.
Qual é a relação entre milícias e polícias militar e a civil?
As milícias nascem dentro dos setores da segurança pública. Quando investigamos esses grupos em 2008, não havia uma só milícia em que a sua chefia não fosse comandada por algum membro da segurança pública do Rio, como agentes penitenciários, bombeiros, policiais ou ex-policiais, civis ou militares. É um crime organizado dentro do Estado.
Qual é a sua avaliação sobre as Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs?
Defendo o princípio do policiamento comunitário e a aproximação da polícia com a comunidade. Mas acho que as UPPs não são um debate só da segurança pública. É claro que há avanços inegáveis e eles têm de ser garantidos. As UPPs nos levam a um outro debate, que ainda não foi aprofundado: as escolhas dos lugares em que serão implantadas. Todas as áreas das UPPs, como a zona portuária do Rio de Janeiro, o corredor hoteleiro da zona sul e o entorno do Maracanã são localidades estratégicas para o investimento de capital privado para a cidade olímpica.
É possível assegurar que uma favela foi realmente pacificada?
A concepção de um lugar pacificado é uma utopia. Todo mundo quer a paz. Até mesmo algumas facções criminosas têm a palavra em seus dizeres. Porém, esse debate tem que ser feito à luz das políticas públicas. Muitas vezes, um tanque de guerra numa esquina traz uma sensação de segurança que não pode ser confundida com a paz. Uma sociedade pacificada se desenvolve calcada na garantia de direitos. A ideia de ter muita polícia nas ruas como modelo de segurança é estranha. Uma sociedade que precisa ter muita polícia nas ruas é tudo, menos segura.
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